A minha crónica no Jornal Torrejano.
Nos tempos que vivemos, quase ninguém lê poesia. Os poetas correm o
risco de escrever uns para os outros, diz-se. Este estreitamento do público
dever-se-á, é também o que se diz, à obscuridade crescente das linguagens
poéticas, tendo-se cortado o fio que ligava a poesia àquilo que o homem
esperava e espera da linguagem. É possível que assim seja. Por isso, neste
texto trago uma espécie de contra-exemplo. A linguagem do poeta é de uma grande
claridade, apesar do rigor com que cada palavra é colocada nos versos. Falo de
Eugénio de Andrade.
O primeiro livro de poesia que comprei foi dele. Juntava, numa bela
edição da Editorial Inova, os livros As
Mãos e os Frutos, de 1948, e Os
Amantes sem Dinheiro, de 1950. Não sei quantas vezes li aqueles poemas.
Talvez tenha sido esse livro que me inclinou para as minhas pobres tentativas
poéticas, talvez. “Nos teus dedos nasceram horizontes / e aves verdes vieram
desvairadas / beber neles julgando serem fontes.” Como é que uma imaginação
imatura, como era a minha naqueles anos longínquos, não haveria de ficar
deslumbrada com versos como estes?
Dos poemas reunidos nessa edição, aquele que nesses verdes anos mais
me marcou foi o poema Adeus. Para o leitor que não o conhece deixo a primeira
estrofe: “Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, / e o que ficou não chega
/ para afastar o frio de quatro paredes. / Gastámos tudo menos o silêncio. /
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, / gastámos as mãos à força de as
apertarmos, / gastámos o relógio e as pedras das esquinas / em esperas
inúteis.” O que me atraiu no poema foi a combinação da musicalidade das
palavras com a ideia de finitude. O amor também ele tem um fim e há uma música
própria onde esse fim pode ser dito, um requiem
que acaba por prolongar e sublimar aquilo que já morreu.
Toda a o poesia de Eugénio de Andrade é marcada por esta claridade
aparente. Ela dialoga e interpela o leitor, atrai-o para o colocar, com ostinato rigore, perante o que é obscuro
e enigmático. A claridade da linguagem é uma porta para o mistério do corpo, da
natureza, do homem e do mundo que rumoreja em cada uma das suas palavras. Ler
poesia não é o mesmo que ler o jornal. Ela exige atenção e cuidado ao leitor.
Este, porém, se não tiver pressa e se deixar envolver pela música das palavras,
vai descobrir alguma coisa de si mesmo e do mundo, para além do puro prazer do
jogo poético. Iniciar-se na poesia com Eugénio de Andrade é entrar pela porta
grande. “Assim eu queria o poema: / fremente de luz, áspero de terra, /
rumoroso de águas e de vento.” Assim.
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