A minha crónica no Jornal Torrejano.
A recente declaração do cardeal Clemente sobre abstinência
sexual dos católicos recasados e a intensa luta, ao mais alto nível da
hierarquia católica, sobre problemas de ordem moral tornam manifesta, mais uma
vez, a grande dificuldade que a Igreja Católica enfrenta nas sociedades
modernas. O problema centra-se no conflito entre a autonomia e liberdade dos
indivíduos, uma característica da modernidade, e a reivindicação, por parte da
Igreja, de um papel de tutoria, em matéria moral, de preferência sexual, das
consciências dos crentes. O que se passa é que cada vez mais crentes, não
deixando de o ser, recusam submeter a sua consciência e a sua liberdade à
tutoria dos sacerdotes católicos.
O Vaticano II e a acção do actual Papa são tentativas de
lidar com este problema. Os ventos vindos do concílio nunca agradaram aos sectores
conservadores da Igreja. Pior ainda é a acção de Francisco, a qual gera
verdadeiros ataques de fúria e de desobediência por parte desses sectores. Há
uma coisa, contudo, que os sectores conservadores têm razão. O aggiornamento proposto por João XXIII,
Paulo VI e Francisco não tem conseguido travar o declínio do catolicismo nas
sociedades modernas. Os conservadores equivocam-se, porém, quando pensam que
uma Igreja reactiva para com a modernidade, fundada no espírito do concílio de
Trento, seria capaz de evitar o declínio. Provavelmente, o declínio seria mais
rápido.
Há um problema que me parece central neste conflito entre
católicos conservadores e católicos actualizadores. É o da discussão se centrar
em questões morais. Isto é um problema porque ambos diminuem, na prática, o
âmbito do catolicismo. Surpreendentemente, tanto conservadores como
actualizadores estão a transformar o cristianismo, tal como o fizeram os
protestantes, numa mera moralidade. Ora o cristianismo é mais, muito mais do
que uma doutrina moral, farisaica ou misericordiosa. É uma aventura espiritual.
A Igreja Católica possui uma herança espiritual, fundada na
mística, que poderia ser uma chave para entrar em contacto com o mundo moderno.
Essa espiritualidade tem recursos suficientes não apenas para lidar com pessoas
livres mas também para libertar as pessoas. É essa ânsia de liberdade e de
libertação que levou muitos ocidentais a interessarem-se pelas práticas
espirituais do Oriente, do Tantra ao Yoga ou ao Zen. A Igreja Católica em vez
de fazer uso, no mundo moderno, da sua riquíssima tradição espiritual,
esconde-a e passa o tempo, literalmente, a discutir o sexo e a moral sexual,
como se a vida espiritual dos homens se reduzisse ao coito, interrompido ou
não.
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