Gustav Klimt - Girlfriends (1916-17)
Não nego, longe disso, a coragem de Adolfo Mesquita Nunes,
um talentoso político do CDS da nova geração, e de Graça Fonseca, secretária de
Estado do actual governo socialista, de assumirem publicamente a sua orientação
sexual. Como salienta João Miguel Tavares no Público,
“Portugal
deve ser o país com maior distância entre as políticas progressistas no que diz
respeito aos direitos dos homossexuais, onde estamos entre os países mais
avançados do mundo, e o número de políticos que se assumem como homossexuais no
espaço público, onde estamos entre os mais atrasados da Europa”. A coragem
deve ser lida como coragem de ruptura com a prática política de ocultar a
orientação sexual, se esta é homossexual.
Há contudo uma outra coisa que não é dita nos justos encómios
a Mesquita Nunes e Graça Fonseca. Não tem a ver com a esfera política mas com o
país. Portugal tornou-se um sítio onde se aceita com facilidade as opções dos
outros. Tem crescido, nos últimos tempos, uma cultura liberal entre a população
marcada pelo vive e deixa viver. Quem conheceu o Portugal de há 40, 30 ou mesmo
20 anos sabe que houve mudanças radicais no comportamento perante o que os
outros fazem das suas vidas. Não é que não haja má-língua, não é que não
aflorem, ainda demasiadas vezes, tentativas de intromissão na vidasde
terceiros, mas o ambiente mudou radicalmente. Podemos discutir se essa mudança
se deve a termo-nos tornado mais tolerantes ou se é fruto da pura indiferença.
Talvez as duas sejam verdadeiras.
Seja como for, o acto destes dois protagonistas políticos só
se tornou possível porque o país mudou e mudou para melhor, tornando-se mais
liberal e mais respeitador das opções de cada um. E o que mostra que o país
mudou foi a forma como as declarações de ambos foram recebidas na esfera
pública. Esta recepção assim como a crítica acerba, mesmo dentro da Igreja, às
declarações do cardeal Manuel Clemente sobre a abstinência sexual dos recasados
(um problema que apenas afectaria os católicos) mostram que o país se reconciliou
com a sexualidade, que não faz dela uma arma de arremesso político, remetendo-a
para a esfera da vida privada e da consciência dos indivíduos, os quais são
considerados livres para fazerem o que entendem das suas vidas. E este
progresso da cultura do país não deve ser subestimado.
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