Mark Tobey, À Cheval la Nuit, 1958
Apesar da manhã ensolarada, as lâmpadas de néon continuam ligadas,
numa antecipação da chegada da noite ou devido a um estranho temor das trevas.
A luz do sol entra quase sem barreiras. Ouvem-se, no arfar nasalado dos
altifalantes, o anúncio de partidas e de chegadas, enquanto as rodas metálicas
dos comboios chiam nos carris, numa sinfonia concertante, onde violinos, em
pizzicatos infernais, e fitas magnéticas tivessem proeminência e se
sobrepusessem, sem remissão, a todos os outros instrumentos. Passados
instantes, tudo se silencia. Não há quem parta nem quem chegue, apesar do
tamanho desmesurado da estação. De súbito, vinda da plataforma superior, uma
jovem mulher começa a descer as escadas. Fá-lo muito lentamente e, ao chegar ao
meio, naquele lugar em que a luz vinda de cima se funde na penumbra proveniente
de baixo, senta-se. Ouve-se a fricção de um novo comboio nos carris e uma voz a
anunciar uma chegada e, de imediato, a nova partida. A mulher inclina-se para a
frente e a cabeça quase toca os joelhos, enquanto as mãos, encostadas ao peito,
denunciam uma oração. O comboio partiu. Ninguém chegou nele. No meio das
escadas a mulher refugia-se no silêncio. Os cabelos caem-lhe e tapam o rosto e
poisam nos joelhos. O néon continua a reverberar apesar do sol da manhã.
Imóvel, a mulher é uma estátua suspensa entre as plataformas de uma estação de
comboios que ninguém utiliza.
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