O segundo filme de Pasolini, Mamma Roma, foi
realizado em 1962 e é tido como uma continuação da vaga do neo-realismo
cinematográfico italiano. Se pela pertença social das personagens – o subproletariado
– o filme ainda se possa inscrever nessa corrente, a sua natureza simbólica e a
própria estética – com o recurso a enquadramentos estáticos e frontais, como se
quisesse suspender o tempo e aniquilar o movimento no espaço – apresenta uma
dimensão marcadamente contemplativa, de tonalidade sacra, deixando perceber que
o realizador se estava a afastar dos cânones neo-realistas, exibindo uma
poética simbólica, para encenar não uma epopeia das classes baixas, mas uma
tragédia regida, como nas tragédias gregas, pela mão invisível do destino. O
filme centra-se em duas personagens, Mamma Roma, uma prostituta, e o seu filho
Ettore, a quem ela pretende oferecer uma vida que esteja para além da marginalidade,
uma vida burguesa feita de respeitabilidade.
O filme constrói-se como uma resposta à questão de saber se
é possível fugir do lugar de onde se vem, se o trabalho é suficiente para fazer
funcionar o elevador social, numa Itália que se moderniza, onde os saloios – na
legendagem portuguesa – aspiram a tornarem-se citadinos. A personagem Mamma
Roma representa, na verdade, o padrão de uma mentalidade burguesa, apesar da
sua condição. Com o dinheiro poupado na sua actividade de prostituta e com a
libertação do compromisso com o proxeneta que a explorava, monta uma banca de
venda de legumes num pequeno mercado em Roma. Isso permite-lhe ter uma casa nos
arredores da grande cidade e trazer o filho, um adolescente a entrar na
primeira juventude e que desconhece a actividade da mãe, para a cidade,
sonhando-o como um citadino que pela força do trabalho haveria de singrar na
vida e alcançar a desejada respeitabilidade burguesa, que ela, de certo modo,
sonha também para si.
Contudo, as barreiras sociais são muito menos porosas do que
o desejo da mãe. Mesmo numa época de grandes transformações sociais e de
modernização, a dinâmica social parece libertar os indivíduos dos campos não
para os emancipar, mas para os prender nos subúrbios, onde os pequenos saloios
se transformam em pequenos delinquentes, uma juventude que não estuda e não
trabalha, acorrentada às dinâmicas culturais que se estabelecem naqueles
bairros de classes baixas. Pasolini não torna patente os conflitos de classe
que, muitas vezes, animam a estética neo-realista, mas revela os mecanismos que
estruturam a existência daqueles estratos sociais. Fá-lo de uma forma crua, sem
projectar nelas qualquer papel redentor. Pelo contrário, se a temática da
redenção é abordada é ao nível do indivíduo – em Mamma Roma e na imagem em cruz
do filho no hospital – e não da classe social.

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