O nosso regime político semipresidencial nasceu de um duplo
medo. Por um lado, o medo de um parlamentarismo como o da primeira República,
com toda a instabilidade política que existiu. Por outro, o medo de um
presidencialismo que fosse uma porta aberta para um novo regime autoritário.
Destes dois medos, gerou-se, na Constituição de 1976 e revisões subsequentes, o
perfil das actuais instituições políticas. A decisão dos constituintes, na
época em que foi tomada, talvez tenha sido a mais prudente. Pouca cultura
democrática e experiências traumáticas com os dois regimes anteriores, conduziu
à criação de um regime político onde o parlamento, origem do governo, está sob
tutela paternalista do Presidente da República.
A solução escolhida tem funcionado razoavelmente. Contudo,
se olharmos para a história dos últimos 50 anos, não é difícil perceber que os
Presidentes da República têm sido – todos eles – os principais factores de
instabilidade política. Desde Eanes, que patrocinou um partido político ainda
como Presidente, até Marcelo Rebelo de Sousa que coleccionou dissoluções da
Assembleia da República só porque o seu poder discricionário lhe permitiam
inventar regras. O problema surge porque há duas legitimidades populares. Tanto
a Assembleia da República como o Presidente são eleitos pelo voto popular. Ora,
quando não coincidem politicamente, os Presidentes manobram continuamente para
fazer chegar os seus ao poder, interrompendo mandatos que em países de regime
parlamentar chegariam tranquilamente ao fim.
Vamos para uma nova eleição presidencial. A lista de
candidatos não augura que essas práticas desestabilizadoras vindas da
Presidência desapareçam. Pelo contrário, pois entre os candidatos mais fortes
há dois – Marques Mendes e António José Seguro – que se inscrevem na tradição
presidencial inaugurada por Eanes, mas marcada decisivamente por Mário Soares,
e outros dois – Gouveia e Melo e André Ventura – que são, por motivos
diferentes (um porque pode ser tentado a interferir na decisão política, um
pouco à imagem de Eanes, e o outro porque aspira a um presidencialismo que lhe
dê poderes próximos do autoritarismo), uma ameaça para o papel das Assembleia
da República. Portugal tem já maturidade democrática suficiente para
reequacionar a transição para um regime parlamentar puro, mesmo numa altura em
que a geometria partidária se tornou mais complexa. Um dos factores de
instabilidade política, a Presidência da República com os poderes que tem,
desapareceria, substituída por uma Presidência próxima, digamos assim, da
função dos Reis nas monarquias constitucionais. O único juiz dos governos seria
o povo e não, como actualmente, o povo e um Presidente que finge ser árbitro,
mas que é, na verdade, um jogador.
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