Ouvida nos dias que correm, a canção de Bob Dylan não deixa
de parecer uma singular ironia, uma ironia que atinge o cerne das crenças que
estão no coração das gerações que fizeram da balada dylaniana um símbolo do
caminho para o paraíso. No domingo passado, o candidato de extrema-direita,
Jair Bolsonaro, quase obteve a maioria necessária para chegar a presidente do
Brasil e impor um programa impensável ainda há meia dúzia de anos. Logo a
seguir, na segunda-feira, os chefes da extrema-direita italiana (Matteo
Salvini, no governo) e francesa, Marine Le Pen, apelavam a uma revolução nas
eleições europeias de Maio, de forma a criar, na Europa, um sólido bloco
soberanista.
Quando olhamos para os programas destas forças políticas,
para a sua capacidade de atracção dos eleitores, corremos o risco de sermos
superficiais e tomarmos como causa aquilo que é meramente instrumental. Por
exemplo, o papel que as redes sociais possuem na propagação de mensagens
imbecis e de fake news. Não se
percebe, ou não se quer perceber, a existência, nos eleitorados, de um grande
ressentimento relativamente às elites e, em primeiro lugar, às elites políticas
democráticas. Esse ressentimento nasce de uma percepção de abandono partilhada
por amplas camadas populares, as quais se sentem ameaçadas e procuram uma
autoridade que lhes dê segurança.
Os tempos estão a mudar e estão a mudar porque as forças
mais radicais de direita vão ocupando o lugar vago deixado pelos democratas de
direita e de esquerda ou, como é o caso do Brasil, onde a corrupção do corpo
político é de tal ordem que as pessoas se entregam nos braços do primeiro
aventureiro. Aquilo que está a acontecer nas democracias não é um fenómeno que
lhes seja estranho. Foi a sua degradação que alimentou o extremismo social e
político.
Para celebrar a bondade da democracia, cita-se a frase de
Churchill: "A democracia é a pior forma de governo, à excepção de todos os
outros já experimentados ao longo da história." Não se percebe, porém, que
ela contém um aviso sub-reptício: a democracia é um mau regime, é preciso
cuidar dele. A questão que se coloca não é se existe uma força significativa de
radicais de direita nas diversas democracias. A questão é de saber se e quando
é que essa vaga se torna uma força mecânica que progride por si própria e torna
impossível qualquer resistência. Os defensores das democracias liberais parecem
sonâmbulos. Esqueceram-se de cuidar do jardim e deslocam-se na paisagem social
de olhos fechados. O pior é
que, como canta Dylan, The Times They Are
A-Changin'.
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