Parece haver uma sombra saudosista da ditadura. Por
enquanto, esse saudosismo é limitado, embora activo nas redes sociais, onde
constrói narrativas delirantes sobre a bondade daqueles tempos. O traço mais
marcante da ditadura de Salazar e Caetano é a consideração que o regime fazia
dos portugueses. Nas perseguições políticas, na censura, na eliminação da
liberdade, mas também nas políticas sociais e económicas, em tudo isso havia um
traço comum humilhante. Esse traço é o paternalismo.
As pessoas não eram consideradas como capazes de dirigirem a
sua vida sem a tutela paternal da ditadura, dos seus chefes e guardas zelosos.
Para além da inegável violência do regime, os portugueses eram tidos e tratados
como crianças sem capacidade de discernir e tomar decisões. Dito de outro modo,
a ditadura tratava as pessoas como menores, incapazes de usar a sua razão sem a
direcção de um tutor, para empregar uma expressão de Kant. Este traço do regime
seria aquele que deveria causar maior indignação e repulsa entre as pessoas.
Quem, sendo adulto, gosta de ser visto e tratado como um menor? No entanto, o
amor à menoridade é um dos trunfos principais com que o saudosismo pode contar.
Viver em democracia é ter de tomar decisões. Viver em
democracia é saber-se responsável pela qualidade dos políticos que se escolhe e
pelas políticas que existem. Viver em democracia é saber que as nossas escolhas
podem sair derrotadas. Viver em democracia é saber lidar com a frustração e ter
claro que mesmo quando as nossas ideias saem vitoriosas isso não significa
esmagar ou perseguir os que pensam de maneira diferente. Viver em democracia
exige que sejamos adultos, responsáveis pela nossa vida e responsáveis pela
comunidade de que fazemos parte. Viver em democracia é muito mais trabalhoso de
que viver sob a alçada de ditadores paternalistas.
A democracia é um exercício cansativo. Exige de nós
responsabilidade e coloca-nos perante a qualidade das nossas escolhas. Não é
por acaso que o saudosismo da ditadura se manifeste em gerações muito novas,
pouco habituadas a viver fora da dependência dos pais. O cansaço com a
democracia toma, muitas vezes, a máscara da repulsa pelas elites políticas.
Isso, porém, é uma forma já de menoridade, de não assumir que se as elites
políticas têm comportamentos pouco aceitáveis isso se deve ao facto de nos
termos desresponsabilizado pela sua escolha e pelo controlo dos seus actos. O
maior perigo para a democracia em Portugal vem do desejo de muitos em
continuarem a ser menores, mesmo quando adultos.
[A minha crónica em A Barca]
A democracia cansará quem nunca sentiu na pele a falta dela. Quem nunca viu a miséria e a opulência juntas e ao vivo.Quem nunca foi preso por motivos políticos,quem nunca teve que fazer uma guerra colonial absurda e criminosa.Cansara quem vive de tal maneira voltado para o próprio umbigo que jamais viu o Sol. Irá cansar as ovelhas do rebanho que só se orientam pelo ladrar do cão do guarda...Pobres e tristes ovelhas cansadas...
ResponderEliminarUm povo que não consegue viver sem um qualquer paizinho não sabe viver em democracia.
ResponderEliminarUm abraço
Nem mais.
EliminarAbraço