Os portugueses decidiram brindar o parlamento com a presença
de mais três partidos políticos. Deixemos de lado a Iniciativa Liberal. Partido
de low profile dirigido a um pequeno
nicho do mercado eleitoral, tentativa morna de importar para um país católico e
do sul da Europa uma ideologia dos países protestantes e frios. Concentremo-nos
nos outros dois, o Chega e o Livre. Eles são um sintoma da degradação que
começa a corroer as instituições democráticas. Diga-se, em abono da verdade,
que a eleição de deputados populistas não é uma novidade. Logo nas primeiras
eleições democráticas, o deputado da UDP era um exemplo de populismo.
O caso da eleita pelo Livre, por seu lado, tem menos a ver
com o partido do que com a personalidade da deputada. O Livre é um partido
reformista, com preocupações ecológicas e uma visão europeísta. Daquilo que se
conhece dos seus militantes e do fundador, o historiador Rui Tavares, nada
faria supor o que está a acontecer. Ao arrepio da agenda de uma esquerda
cordata, a agenda da deputada Joacine Katar Moreira é radical, preocupada com
questões identitárias e centrada em temas restritos como o racismo e o
feminismo. Isto não dá para uma política e emparelha com perspectivas políticas
também elas identitárias e que se movem no outro lado do debate sobre o racismo
e o feminismo, isto é, o Chega.
O Chega surgiu para explorar o ressentimento social, um
mercado eleitoral que estava por ocupar. Vive do folclore tribunício de André
Ventura. Explora a má fama da classe política e o sentimento de inveja dos
portugueses. Ventura apresenta-se como salvador e justiceiro. No entanto, o
partido está desde o começo envolvido em problemas, seja o da recolha de
assinaturas, seja o do programa político ocultado, tão desagradável era, seja o
do conflito entre o chefe e o ex-porta-voz, Sousa Lara, seja agora com a irónica
notícia de que estaria infiltrado pela extrema-direita neonazi.
A chegada ao parlamento de partidos ou deputados populistas
e a possibilidade que pelo menos um desses partidos tem de crescer e de se
imiscuir no funcionamento das instituições deveriam levar os partidos
democráticos a uma profunda reflexão sobre o seu papel na emergência destes
fenómenos. Os portugueses não gostam de se comportar como os nórdicos, mas
exigem que as suas elites políticas o façam. Exigem-nas isentas, frugais e
comedidas. Enquanto as elites políticas não o forem, o populismo tem campo
significativo para crescer e para corroer o regime democrático.
[A minha crónica em A Barca]
Como disse Brecht: O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
ResponderEliminarCá, como em muitos outros países, limita-se a despejar a raiva nas urnas e a aplaudir os populistas.
Um abraço
O pior, contudo, é que a deriva não é alimentada apenas por analfabetos políticos. Muita gente com cultura política e que parecia cordata despiu sa vestes de cordeiro e vestiu a pele de lobo. O fenómeno é pior do que parecia ainda há um ano.
EliminarAbraço
Vale mais estarem no Parlamento do que fora dele... a minarem à socapa.
ResponderEliminarO problema é que, chegando ao parlamento, deixam de minar à socapa e passam a minar abertamente e com êxito.
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