sábado, 1 de fevereiro de 2020

Sintomas de degradação


Os portugueses decidiram brindar o parlamento com a presença de mais três partidos políticos. Deixemos de lado a Iniciativa Liberal. Partido de low profile dirigido a um pequeno nicho do mercado eleitoral, tentativa morna de importar para um país católico e do sul da Europa uma ideologia dos países protestantes e frios. Concentremo-nos nos outros dois, o Chega e o Livre. Eles são um sintoma da degradação que começa a corroer as instituições democráticas. Diga-se, em abono da verdade, que a eleição de deputados populistas não é uma novidade. Logo nas primeiras eleições democráticas, o deputado da UDP era um exemplo de populismo.

O caso da eleita pelo Livre, por seu lado, tem menos a ver com o partido do que com a personalidade da deputada. O Livre é um partido reformista, com preocupações ecológicas e uma visão europeísta. Daquilo que se conhece dos seus militantes e do fundador, o historiador Rui Tavares, nada faria supor o que está a acontecer. Ao arrepio da agenda de uma esquerda cordata, a agenda da deputada Joacine Katar Moreira é radical, preocupada com questões identitárias e centrada em temas restritos como o racismo e o feminismo. Isto não dá para uma política e emparelha com perspectivas políticas também elas identitárias e que se movem no outro lado do debate sobre o racismo e o feminismo, isto é, o Chega.

O Chega surgiu para explorar o ressentimento social, um mercado eleitoral que estava por ocupar. Vive do folclore tribunício de André Ventura. Explora a má fama da classe política e o sentimento de inveja dos portugueses. Ventura apresenta-se como salvador e justiceiro. No entanto, o partido está desde o começo envolvido em problemas, seja o da recolha de assinaturas, seja o do programa político ocultado, tão desagradável era, seja o do conflito entre o chefe e o ex-porta-voz, Sousa Lara, seja agora com a irónica notícia de que estaria infiltrado pela extrema-direita neonazi.

A chegada ao parlamento de partidos ou deputados populistas e a possibilidade que pelo menos um desses partidos tem de crescer e de se imiscuir no funcionamento das instituições deveriam levar os partidos democráticos a uma profunda reflexão sobre o seu papel na emergência destes fenómenos. Os portugueses não gostam de se comportar como os nórdicos, mas exigem que as suas elites políticas o façam. Exigem-nas isentas, frugais e comedidas. Enquanto as elites políticas não o forem, o populismo tem campo significativo para crescer e para corroer o regime democrático.

[A minha crónica em A Barca]

4 comentários:

  1. Como disse Brecht: O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
    Cá, como em muitos outros países, limita-se a despejar a raiva nas urnas e a aplaudir os populistas.

    Um abraço

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    1. O pior, contudo, é que a deriva não é alimentada apenas por analfabetos políticos. Muita gente com cultura política e que parecia cordata despiu sa vestes de cordeiro e vestiu a pele de lobo. O fenómeno é pior do que parecia ainda há um ano.

      Abraço

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  2. Vale mais estarem no Parlamento do que fora dele... a minarem à socapa.

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    1. O problema é que, chegando ao parlamento, deixam de minar à socapa e passam a minar abertamente e com êxito.

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