Portugal é uma democracia liberal alicerçada num Estado de
direito, isto é, num Estado em que todos estão submetidos à lei. Todos somos
iguais perante essa mesma lei. Todos somos cidadãos, isto é, indivíduos que têm
um conjunto de direitos e deveres especificados na lei. Isto é o básico. Ser
homem ou mulher, ter uma dada orientação sexual, ter uma certa cor da pele, ter
uma religião ou não ter nenhuma, pertencer a uma classe social, ter uma
preferência política, nada disto acrescenta ou tira seja o que for à nossa
condição de cidadãos. Portanto, cada um de nós tem o direito de ser respeitado
independentemente do seu sexo, orientação sexual, cor da pele, classe social, pertença
religiosa ou política. Também cada um de nós tem o dever de respeitar o outro
independentemente do seu sexo, orientação sexual, cor da pele, classe social,
pertença religiosa ou política.
Preocupante é que o básico começa a não ser compreendido e
que essa incompreensão fala cada vez mais alto, pretendendo ser uma alternativa
aos princípios civilizados que nos orientam. O caso Marega é apenas um episódio
entre muitos outros. Devido à sua reacção teve o condão de vir separar as águas
e mostrar aquilo que há muito é visível, mas que se teima em não ver. O racismo
é um problema no futebol, mas também na sociedade. Não apenas em Portugal, mas
também em muitos países ocidentais. A crosta civilizada que nos cobria e
dourava, mal foi confrontada com algumas dificuldades, começou a estalar.
Depois, nunca faltam os miseráveis para torcer as situações, para provocar
dúvida na condenação do inaceitável e para atiçarem na turbamulta os piores
instintos. Não gostam do básico, da igualdade de todos perante a lei. Querem
uma lei que os favoreça a eles.
As questões básicas são aquelas que estruturam uma sociedade.
Supõem um amplo consenso. Só neste consenso podemos discordar nas outras
questões que são importantes, mas não básicas. Como deve evoluir a economia?
Como se devem estruturar os sistemas de saúde e de educação? Como se deve
orientar a defesa nacional? Como fazer frente à instabilidade ambiental? Como
enfrentar a crise demográfica? Todas estas questões são decisivas para o futuro
da comunidade e exigem de todos nós atenção, preocupação e empenhamento. Exigem
muita energia cívica. Ora, se temos de voltar as nossas forças para reafirmar e
defender aquilo que é básico – o direito de cada um ao reconhecimento como
igual – corremos o risco de ficar a discutir a melanina ou coisas do género em
vez de nos prepararmos para o que vem aí.
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
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