sábado, 26 de agosto de 2023

Ainda a visita do Papa Francisco


Com excepção de um núcleo jacobino e da liderança estarola da extrema-direita, a aceitação da visita do Papa Francisco, e do que veio dizer, foi muito ampla. Será o actual Papa um taumaturgo capaz de operar milagres e de fazer coincidir gente que, por norma, tem as mais contrárias opiniões? O carisma de Giorgio Bergoglio ajuda bastante. Papas anteriores, de perfil mais conservador, teriam dificuldades em encontrar não uma excelente recepção no país, mas uma tal unanimidade. Contudo, deverá ser na própria Igreja Católica que devemos buscar esse poder de atracção, o qual é pior ou melhor interpretado pelos seus representantes, seja no Vaticano, seja nas dioceses.

Se olharmos para o arco constitucional dos países democráticos da Europa, encontramos três grandes famílias ideológicas. O conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Os conservadores, apesar da sua pluralidade, enfatizam a estabilidade e a continuidade das instituições, e se queremos encontrar um conceito para definir essa ideologia será o de tradição. Os liberais, que existem tanto na direita como na esquerda, defendem um conjunto de valores políticos e morais, onde se inclui a democracia e a importância do indivíduo. O conceito central desta corrente é o de liberdade. Por fim, os socialistas, que vão desde os velhos sociais-democratas até aos comunistas, têm, com diferentes intensidades, preocupações sociais. A ideia nuclear será a de igualdade. Em resumo, as principais correntes ideológicas do arco constitucional giram em torno da tradição, da liberdade e da igualdade.

Os três conceitos, porém, emergem na Igreja Católica e são inerentes à sua própria natureza. A tradição apostólica, que estabelece uma conexão entre Cristo e os crentes actuais. A liberdade dos homens, pois são dotados de livre-arbítrio, isto é, de capacidade de escolha, como ensinou Santo Agostinho, e a igualdade de todos os seres humanos perante Deus. São estas três ideias constitutivas do Cristianismo originário que, com a implosão da Igreja, após a Reforma protestante e o advento do Iluminismo, se emancipam do domínio da religião e são apropriadas pelo mundo da política. Em todas as três principais ideologias políticas do arco constitucional ressoa ainda, de algum modo, a voz do Cristianismo e da Igreja Católica. Não admira, assim, que, em certas circunstâncias, pareça existir o milagre de um grande consenso. O actual Papa tem uma grande capacidade de fazer pontes, mas isso deve-se, também, ao papel que o Cristianismo teve e tem ainda na modelação das nossas sociedades e das nossas crenças políticas.

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