Carlo Carra, Nuotatori, 1929 |
Há, ao
nível nacional, um jogo completamente ocioso. Oiça-se o discurso da oposição
– nomeadamente, a de direita – e parece que vivemos no pior dos mundos
possíveis, com tudo o que há de mau na índole nacional concentrado naquela
gente incapaz que nos governa. Repare-se no discurso do governo e não há nada
na oposição que não seja o reflexo do que há de mau nessa mesma índole nacional,
o que, se ela chegasse ao governo, haveria de nos pôr pelas ruas da amargura. Deixemos
governo e oposição de lado, oiçamos os portugueses. O que dizem dos outros, mas
nunca de si mesmos, é que eles, esses terríveis outros, representam o que há de
mau na tal índole nacional. A índole nacional, com os seus trejeitos
existenciais, as suas manobras espúrias, o seu fazer manhoso pela vida, é uma
coisa extraordinária, pois só existe nos outros, que são os culpados pelo nunca
suficientemente sublinhado atraso nacional. O mais extraordinário é que
existimos há 900 anos, com alguns percalços, mas sabendo fazer pela vida. Se ao
nascer, pelas condições geopolíticas, Portugal tinha escassas possibilidades de
persistir na existência, com uma índole nacional tal como a descrevemos, já há
muito deveria ter desaparecido do mapa das nações independentes. Cá continuamos.
Talvez os nossos insuperáveis defeitos, onde se inclui a contínua inveja
do outro e o desprezo pelos melhores, sejam as nossas virtudes, são eles que
nos têm permitido sobreviver e atravessar os oceanos tempestuosas do mundo da política
internacional. Somos irreformáveis, mas talvez isso seja a forma de podermos continuar
a nadar com costa à vista. Existir há 900 anos deverá querer dizer alguma coisa.
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