sábado, 6 de abril de 2024

As eleições e o triunfo do pensamento mágico

 

Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. Têm sido adiantadas múltiplas explicações. Por norma, baseadas na suposta má conduta dos partidos do sistema (sic), o que teria gerado uma onda de insatisfação no eleitorado. A questão é mais funda. Que respostas têm estado disponíveis, do ponto de vista político, para a pergunta: como posso viver melhor? Por um lado, a resposta da esquerda tradicional: a luta colectiva, a solidariedade entre pessoas, gerará para cada uma essa vida melhor. Por outro, a da direita democrática tradicional: és livre, aposta em ti, a vida melhor depende do teu mérito. As duas respostas estão assentes na acção e no esforço.

A votação no Chega é a derrota destas duas respostas. Os insatisfeitos não apreciam o esforço das lutas colectivas, nem reconhecem que a sua situação esteja ligada ao seu mérito ou à falta dele. Crêem que a sua situação se deve aos políticos tradicionais, que são diabolizados. Está-se já no campo do pensamento mágico. A solução da minha insatisfação está, não no esforço colectivo ou individual, mas em alguém, o líder carismático, que virá salvar-me da situação em que me encontro. A partir da crença num líder salvador, o pensamento mágico reforça-se no encantamento dos slogans simplistas (Limpar Portugal), na negação da realidade – isto é, dos factos que negam a narrativa do líder – e no desenvolvimento de expectativas irreais de que problemas altamente complexos se podem resolver facilmente, bastando as palavras mágicas do salvador.

Os partidos tradicionais irão ter muita dificuldade em lidar com a nova situação. O pensamento mágico dificilmente é derrotado pelo discurso sensato e pela acção razoável. Os problemas que enfrentamos exigem esforço e racionalidade, coisa para a qual parte do eleitorado não está disponível. O pensamento mágico não exige esforço nem reflexão, vive de emoções, alimenta-se de mitos e slogans, propaga-se por contágio, como uma epidemia. Havendo uma liderança carismática, por norma, o pensamento mágico tende a aumentar e só perde força depois de uma desgraça. São tantos os exemplos – vindos da direita e da esquerda – em que o pensamento mágico dos cidadãos conduziu a uma tragédia que nem vale a pena enumerá-los. A democracia liberal, aquela que em Portugal nasceu há 50 anos, está perante um grande e grave problema.


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