Agora que nos estamos a
aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos
versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de
entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste?
Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é
surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste
mundo, os meus guardas teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus.
Agora: o meu reino não é daqui.» Quando Pilatos pergunta: «Então tu és
rei?», a resposta continua a ser surpreendente: «Tu dizes que sou rei.
Eu nasci para isto e para isto vim ao mundo, para dar testemunho da verdade.»
Esta passagem do Evangelho de João não deve ser vista como o anúncio de uma
utopia, mas como o ideal regulador de toda a política.
São dois os elementos centrais: a
violência e a verdade. Jesus consente na afirmação de que é rei, mas é um
soberano que não tem um corpo de guardas que lute por ele. Abdica da violência
legítima para fazer vingar a sua soberania. Esta centra-se na verdade. A
verdade deve ser entendida não apenas como um acordo entre aquilo que se diz e
os factos, mas como uma vida verdadeira, onde se inclui o bem e a justiça. Não
é a violência, mesmo que legítima, que deve suportar a governação, mas o
exercício dessa verdade. As palavras de Cristo, na sua radicalidade, causam a
mais profunda perplexidade nos homens políticos. Essa perplexidade está
resumida na resposta de Pilatos às palavras de Jesus: «O que é a verdade?»
Pôncio Pilatos – como qualquer autoridade política – conhece bem a violência
como forma de exercer a soberania, mas desconhece a verdade.
Como o idealismo platónico, o
texto evangélico fornece, ainda que de modo diferente, um padrão pelo qual
podemos medir a bondade das governações humanas. Quanto menor for a violência a
que recorrem e quanto mais preocupadas estiverem com a verdade, o bem e a
justiça, melhor serão. Quanto mais violência usarem e menos preocupadas estiverem
com a verdade, o bem e a justiça, mais detestáveis serão. Um reino cujo rei não
usa a violência e se conduz apenas pela verdade não é daqui e de agora, não é
deste mundo. Contudo, esse rei é o padrão pelo qual, no fundo dos corações, os
homens medem os seus soberanos. E sempre que os homens se revoltam contra as
governações é porque estas se afastaram da verdade, do bem e da justiça e no
seu lugar colocaram a violência. Eis três versículos terríveis para aqueles que
têm nas mãos o poder sobre os outros.
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