sábado, 8 de março de 2025

Uma situação política espantosa

É surpreendente como políticos experimentados não antecipam o que lhes pode acontecer caso haja algo de nebuloso na sua vida. Isso aplica-se ao actual primeiro-ministro. A nebulosidade, neste caso, resulta de um eventual – ainda não se percebeu se real – conflito de interesses entre o cargo que ocupa e a empresa que fundou, depois nas mãos da mulher e dos filhos e, agora, só nas destes. Pensaria ele que estava acima do escrutínio? É verdade que a comunicação social tem sido mais dócil para o seu governo do que foi para os governos do PS, mas essa docilidade não significa compadrio total. Há uma lógica comunicacional que, ainda que a contragosto, acaba por funcionar.

Também foi notável a comunicação que Montenegro fez ao país, rodeado pelos seus ministros. O episódio espanta por dois motivos. O primeiro é a própria comunicação: um exercício assente num contínuo apelo à piedade – um caso prático da falácia argumentativa do apelo à misericórdia –, com esclarecimentos irrelevantes e omissões onde se impunham respostas claras. O segundo é vermos um governo transformado num rebanho, alinhando numa leitura política de um caso pessoal com repercussões institucionais. Não estão em causa as políticas do governo, mas a posição de Luís Montenegro.

Inusitado, ainda, é o silêncio do prolixo Presidente da República. Sempre tão disponível para emitir opiniões sobre tudo e sobre nada, sempre tão diligente em comentar as peripécias dos governos do PS, parece agora subitamente reservado. O que mais o terá preocupado – a ponto de amuar – foi o facto de o primeiro-ministro não lhe ter ligado antes de falar ao país. A sua tagarelice habitual e a dissolução da Assembleia por duas vezes, sem razões substantivas, dão agora lugar a uma mudez ansiosa, não vá ter de enfrentar uma crise devido às eventuais incompatibilidades de Montenegro.

Que tenha sido o PCP a salvar o governo com a sua moção de censura também é espantoso, mas apenas para quem anda distraído ou não se interessa pela vida política. Neste momento, os comunistas temem – e não são os únicos – um novo acto eleitoral. A moção de censura não visa a queda do governo, mas a contenção de danos: evita eleições, onde o risco de uma nova perda de votos é grande. Salvam o governo para salvarem a própria pele e, ao mesmo tempo, projectam a ilusão de que é o PS que impede a sua queda. O PS quer ver o governo cair, mas por iniciativa do próprio executivo. Para o PCP, um desastre, pois abriria caminho ao voto útil à esquerda, com o reforço do PS. O pior dos mundos possíveis, para os comunistas.

P.S. O último parágrafo do texto ficou desactualizado com a apresentação da moção de confiança por parte do governo, que não se previa aquando da escrita desta crónica. O governo julgou que a melhor forma de lidar com um problema desagradável, causado pelo primeiro-ministro, é fazer-se de vítima.

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