É surpreendente como políticos
experimentados não antecipam o que lhes pode acontecer caso haja algo de
nebuloso na sua vida. Isso aplica-se ao actual primeiro-ministro. A
nebulosidade, neste caso, resulta de um eventual – ainda não se percebeu se
real – conflito de interesses entre o cargo que ocupa e a empresa que fundou, depois
nas mãos da mulher e dos filhos e, agora, só nas destes. Pensaria ele que
estava acima do escrutínio? É verdade que a comunicação social tem sido mais
dócil para o seu governo do que foi para os governos do PS, mas essa docilidade
não significa compadrio total. Há uma lógica comunicacional que, ainda que a
contragosto, acaba por funcionar.
Também foi notável a comunicação
que Montenegro fez ao país, rodeado pelos seus ministros. O episódio espanta
por dois motivos. O primeiro é a própria comunicação: um exercício assente num
contínuo apelo à piedade – um caso prático da falácia argumentativa do apelo à
misericórdia –, com esclarecimentos irrelevantes e omissões onde se impunham
respostas claras. O segundo é vermos um governo transformado num rebanho,
alinhando numa leitura política de um caso pessoal com repercussões
institucionais. Não estão em causa as políticas do governo, mas a posição de
Luís Montenegro.
Inusitado, ainda, é o silêncio do
prolixo Presidente da República. Sempre tão disponível para emitir opiniões
sobre tudo e sobre nada, sempre tão diligente em comentar as peripécias dos
governos do PS, parece agora subitamente reservado. O que mais o terá
preocupado – a ponto de amuar – foi o facto de o primeiro-ministro não lhe ter
ligado antes de falar ao país. A sua tagarelice habitual e a dissolução da
Assembleia por duas vezes, sem razões substantivas, dão agora lugar a uma mudez
ansiosa, não vá ter de enfrentar uma crise devido às eventuais
incompatibilidades de Montenegro.
Que tenha sido o PCP a salvar o
governo com a sua moção de censura também é espantoso, mas apenas para quem
anda distraído ou não se interessa pela vida política. Neste momento, os
comunistas temem – e não são os únicos – um novo acto eleitoral. A moção de
censura não visa a queda do governo, mas a contenção de danos: evita eleições,
onde o risco de uma nova perda de votos é grande. Salvam o governo para
salvarem a própria pele e, ao mesmo tempo, projectam a ilusão de que é o PS que
impede a sua queda. O PS quer ver o governo cair, mas por iniciativa do próprio
executivo. Para o PCP, um desastre, pois abriria caminho ao voto útil à
esquerda, com o reforço do PS. O pior dos mundos possíveis, para os comunistas.
P.S. O último parágrafo do texto ficou desactualizado com a apresentação da moção de confiança por parte do governo, que não se previa aquando da escrita desta crónica. O governo julgou que a melhor forma de lidar com um problema desagradável, causado pelo primeiro-ministro, é fazer-se de vítima.
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