Mark Tobey, À Cheval la Nuit, 1958 |
Um, dois, talvez um terceiro, mais ao longe.
Arranha-céus rompem o firmamento, enquanto a noite desliza sobre a cidade e a
tempestade se faz ouvir no ribombar dos trovões. De súbito, tudo se ilumina,
mas logo as trevas vencem a luz, para que, de novo, a realidade cintile
vibrante, enquanto os céus ressoam, os vidros das janelas tremem e os homens,
temerosos, se escondem nas casas fustigadas pela chuva. Despidas, as árvores
entregam-se ao tumulto: os ramos, nus; o tronco, encharcado. Presságios
obscuros lêem-se nas suas formas. Vaticínios desprendem-se da esquadria do
parque, onde um bosque se ordena como uma companhia perfilada na parada, à
espera de ordens para marchar para a frente de combate. São árvores sem nome,
perdidas na sua identidade, soldados hirtos como estátuas cravadas na terra. O
trânsito da noite foi sugado pela intempérie. Os carros, fantasmas alinhados
junto aos passeios, são peças de mobiliário de uma época desaparecida há muito.
Nas ruas, formam-se lagos: uma água suja, onde flutua o lixo do dia. Uma mulher
caminha sob um guarda-chuva inútil. Segue-a um homem. Mas tudo isso dura o
instante de um relâmpago. Quando um novo clarão ilumina a rua, homem e mulher
desapareceram, esquecidos na noite, tragados por uma encruzilhada. Os
arranha-céus permanecem silenciosos, fendendo os céus, desvairados na negrura
da noite, mergulhados no fogo líquido da tempestade invernosa.
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