terça-feira, 18 de março de 2025

Descrições fenomenológicas 72. Tempestade

Mark Tobey, À Cheval la Nuit, 1958
Um, dois, talvez um terceiro, mais ao longe. Arranha-céus rompem o firmamento, enquanto a noite desliza sobre a cidade e a tempestade se faz ouvir no ribombar dos trovões. De súbito, tudo se ilumina, mas logo as trevas vencem a luz, para que, de novo, a realidade cintile vibrante, enquanto os céus ressoam, os vidros das janelas tremem e os homens, temerosos, se escondem nas casas fustigadas pela chuva. Despidas, as árvores entregam-se ao tumulto: os ramos, nus; o tronco, encharcado. Presságios obscuros lêem-se nas suas formas. Vaticínios desprendem-se da esquadria do parque, onde um bosque se ordena como uma companhia perfilada na parada, à espera de ordens para marchar para a frente de combate. São árvores sem nome, perdidas na sua identidade, soldados hirtos como estátuas cravadas na terra. O trânsito da noite foi sugado pela intempérie. Os carros, fantasmas alinhados junto aos passeios, são peças de mobiliário de uma época desaparecida há muito. Nas ruas, formam-se lagos: uma água suja, onde flutua o lixo do dia. Uma mulher caminha sob um guarda-chuva inútil. Segue-a um homem. Mas tudo isso dura o instante de um relâmpago. Quando um novo clarão ilumina a rua, homem e mulher desapareceram, esquecidos na noite, tragados por uma encruzilhada. Os arranha-céus permanecem silenciosos, fendendo os céus, desvairados na negrura da noite, mergulhados no fogo líquido da tempestade invernosa.

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