sexta-feira, 14 de março de 2025

Rapazes perdidos

Norman Percevel Rockwell, Boys


Numa espécie de post-scriptum – com o título de Livro de Recitações – à sua coluna de sexta-feira no Público, António Guerreiro refere um artigo de Sonia Sodha, no The Guardian, sobre a condição masculina. O título do artigo é revelador: Sem emprego, isolados, alimentados com pornografia misógina... onde está o amor pelos rapazes perdidos da Grã-Bretanha? (aqui) O artigo tem por fundamento um relatório do Centre for Social Justice, e tem o título Lost Boys. Em linhas gerais, o relatório mostra que os rapazes – em especial dos meios mais pobres – estão em dificuldade para acompanhar o ritmo das raparigas. Um dos sinais, mas longe de ser o único, é a percentagem de rapazes e raparigas a frequentar a universidade. Elas representam 60% do universo de estudantes universitários.

Tudo isto, porém, numa sociedade patriarcal, onde o poder dominante dos homens continua e a igualdade está longe de ser uma realidade. Uma das coisas que se pode pensar é a forma muito diferente como rapazes e raparigas das classes baixas e médias-baixas se relacionam com a educação. Genericamente, elas vêem nesse bem uma oportunidade de se emanciparem de situações opressivas. Os rapazes, todavia, sentem a escolaridade como a própria opressão. Daí o seu baixo desempenho, daí serem, geralmente, eles os agentes de perturbação das aulas. As raparigas viram na regra escolar uma alavanca existencial. Os rapazes vêem na mesma regra uma coacção que lhes elimina a liberdade que, muito provavelmente, gozam em famílias com pouca capacidade para regular comportamentos.

Isto não é apenas um problema dos indivíduos. É um problema social com grande impacto na vida democrática. Estes jovens sem escolaridade, sem emprego, isolados, alimentados com pornografia misógina são um reservatório para recrutamento das organizações de extrema-direita e de direita radical. O seu ressentimento abre-os para aquele tipo de discurso. A cultura misógina em que se afundam leva-os a contestar um mundo onde as mulheres se afirmam, apesar das dificuldade que enfrentam. Isto não se passa apenas em Inglaterra. Veja-se o eleitorado de Trump. Observe-se como parte dos jovens rapazes portugueses sentem uma atracção por Ventura.

Sociedades complexas como as ocidentais exigem pessoas com grande formação e amplitude intelectual para lidar com processos de transformação muito rápidos e exigentes. Parte significativa dos rapazes, devido à resistência que opõem à disciplina escolar, está a tornar-se incapaz de lidar com o mundo em que vivemos. O isolamento detectado pelo estudo é a confirmação de uma impotência. Os rapazes que abandonam o sistema escolar são mais que o dobro das raparigas. António Guerreiro, a fechar o seu post-scriptum ironiza: Começa a ser urgente dedicar-lhes um dia internacional. A verdade é que estamos confrontados com um grande desafio. Esse passa pela escolarização. Como é que esses rapazes perdidos podem encontrar, na escola, um sentido para a sua vida e como podem fazer da regra e da disciplina escolares uma alavanca para um vida realizada? A resposta não é clara e, muito provavelmente, os sistemas educativos, por si mesmos, são incapazes de resolver um problema cuja raiz está a montante deles, está nas famílias, mesmo que os governos democráticos se recusem a aceitar o facto.

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