Norman Percevel Rockwell, Boys |
Numa espécie de post-scriptum
– com o título de Livro de Recitações – à sua coluna de sexta-feira no Público,
António Guerreiro refere um artigo de Sonia Sodha, no The Guardian, sobre
a condição masculina. O título do artigo é revelador: Sem emprego, isolados,
alimentados com pornografia misógina... onde está o amor pelos rapazes perdidos
da Grã-Bretanha? (aqui)
O artigo tem por fundamento um relatório do Centre for Social Justice, e
tem o título Lost Boys. Em linhas gerais, o relatório mostra que os
rapazes – em especial dos meios mais pobres – estão em dificuldade para
acompanhar o ritmo das raparigas. Um dos sinais, mas longe de ser o único, é a
percentagem de rapazes e raparigas a frequentar a universidade. Elas
representam 60% do universo de estudantes universitários.
Tudo isto, porém, numa sociedade
patriarcal, onde o poder dominante dos homens continua e a igualdade está longe
de ser uma realidade. Uma das coisas que se pode pensar é a forma muito
diferente como rapazes e raparigas das classes baixas e médias-baixas se
relacionam com a educação. Genericamente, elas vêem nesse bem uma oportunidade
de se emanciparem de situações opressivas. Os rapazes, todavia, sentem a escolaridade
como a própria opressão. Daí o seu baixo desempenho, daí serem, geralmente,
eles os agentes de perturbação das aulas. As raparigas viram na regra escolar
uma alavanca existencial. Os rapazes vêem na mesma regra uma coacção que lhes
elimina a liberdade que, muito provavelmente, gozam em famílias com pouca capacidade
para regular comportamentos.
Isto não é apenas um problema dos
indivíduos. É um problema social com grande impacto na vida democrática. Estes
jovens sem escolaridade, sem emprego, isolados, alimentados com pornografia
misógina são um reservatório para recrutamento das organizações de extrema-direita
e de direita radical. O seu ressentimento abre-os para aquele tipo de discurso.
A cultura misógina em que se afundam leva-os a contestar um mundo onde as
mulheres se afirmam, apesar das dificuldade que enfrentam. Isto não se passa
apenas em Inglaterra. Veja-se o eleitorado de Trump. Observe-se como parte dos
jovens rapazes portugueses sentem uma atracção por Ventura.
Sociedades complexas como as
ocidentais exigem pessoas com grande formação e amplitude intelectual para
lidar com processos de transformação muito rápidos e exigentes. Parte
significativa dos rapazes, devido à resistência que opõem à disciplina escolar,
está a tornar-se incapaz de lidar com o mundo em que vivemos. O isolamento
detectado pelo estudo é a confirmação de uma impotência. Os rapazes que
abandonam o sistema escolar são mais que o dobro das raparigas. António
Guerreiro, a fechar o seu post-scriptum ironiza: Começa a ser urgente
dedicar-lhes um dia internacional. A verdade é que estamos confrontados com
um grande desafio. Esse passa pela escolarização. Como é que esses rapazes
perdidos podem encontrar, na escola, um sentido para a sua vida e como
podem fazer da regra e da disciplina escolares uma alavanca para um vida
realizada? A resposta não é clara e, muito provavelmente, os sistemas educativos,
por si mesmos, são incapazes de resolver um problema cuja raiz está a montante
deles, está nas famílias, mesmo que os governos democráticos se recusem a
aceitar o facto.
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