quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Uma comédia

Jean-Louis Hamon - La comedia humana (1852)

Fátima Bonifácio terminava o seu artigo no Observador, sobre a eleição de Mário Centeno, assim: Sintomaticamente, as reacções mais do que reservadas do PCP e do Bloco à promoção europeia de Mário Centeno foram mais do que cautelosas. António Costa que se cuide. Mais do que uma aviso a Costa, a articulista estava a expressar um desejo. Um desejo, aliás, partilhado por largos sectores da direita. Esse desejo não é outro senão que o BE e o PCP façam o trabalho que a direita parece incapaz de fazer: derrubar o governo para que ela, direita, retorne ao poder.

Ontem, por um acaso, ouvi, na SIC Notícias, Mariana Mortágua dizer, sobre a eleição de Centeno, duas coisas. Primeira, que a eleição de uma pessoa não implica uma alteração das políticas de uma instituição e que não é expectável que haja qualquer novidade vinda do Eurogrupo. Segunda, que sempre houve uma divergência de fundo entre o BE e o PS sobre as questões do euro e das políticas que estão com ele relacionada. Apesar disso, acrescentou, tem havido condições para um acordo político. Não muito diferente será a posição do PCP.

O interessante é a conjugação das duas afirmações. Dito de outra maneira. No plano dos princípios, há uma divergência entre o PS e os partidos à sua esquerda. No entanto, e apesar da posição socialista implicar o respeito pelas políticas europeias, essa divergência não é fundamental. Não tem a importância suficiente para impedir um acordo e uma convergência de esforços das esquerdas. Há duas maneiras de ler a situação. Uma é a desejada pela direita: que esta divergência cause o colapso da geringonça. A outra é aquela que a direita teme e recalca: na prática e apesar de alguma retórica, BE e PCP aceitaram as regras do jogo e os princípios de equilíbrio orçamental e de combate ao défice público.

Dois anos de governação e três orçamentos parecem provas empíricas suficientes para suportar esta última afirmação. Por que razão a esquerda – que a direita, em desespero de causa, não se cansa de chamar radical – aceitou as regras do jogo? A coisa explica-se em poucas palavras: a Grécia e a governação Syriza. Quem quer copiar, seja onde for no mundo ocidental, as peripécias dos primeiros tempos do Syriza? Quem quer sofrer a humilhação que este sofreu? Os partidos políticos também aprendem.

O resultado de tudo isto não deixa de ser caricato. A grande clivagem política que animou o debate público, nos últimos dois anos, sobre a governação do país era pura e simplesmente inexistente. De uma maneira ou de outra, uns através dos princípios e outros através das práticas têm estado de acordo. Estas encenações com as suas liturgias, contudo, não servem apenas para satisfazer as clientelas ideológicas dos partidos. Servem também para esconder a sua falta de ideias sobre o que fazer do país. Na verdade, uma comédia. E é aqui que está o problema.

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