Rothko, N.º 5, 1964
Foi assim que a vi pela última vez. Um fundo negro, de um negro mais
espesso que a noite, onde o rosto fulgurava na púrpura da escuridão. Não falava
com ninguém, pois não havia quem dela se aproximasse. Olhava, com os olhos
azuis, demasiado azuis, para um ponto indefinido. Os lábios deveriam ter
incendiado muitas paixões, mas agora não havia neles nada que cantasse, nem
sequer a promessa de um amor de ocasião. Estavam fechados, como fechada estava a
face. Não havia sombra de desafio, nem uma nuvem de desilusão. As narinas, por
vezes, abriam-se ligeiramente para deixar passar o ar. Nessas alturas, as
pálpebras tremiam e o brilho dos olhos diminuía, mas logo se recompunha. Quem a
via poderia pensar que esperava, mas nada o indicava, pois nela não ardia a
tocha do desejo. A mão direita saiu da obscuridade e pousou no pescoço. Os
dedos finos e compridos, belos como os olhos, eram agora ramos que nasciam do
corpo. Os anos ainda não tinham passado por eles. Seguravam, na sua palidez, o
fulgor que se desprendia do silêncio do rosto.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.