A minha crónica em A Barca.
Os antigos romanos possuíam quatro virtudes que estimavam
acima de todas as outras. A pietas
(piedade), a dignitas (dignidade), a iustitia (justiça) e a gravitas (gravidade). A tradução
portuguesa de gravitas por gravidade
não consegue reter a riqueza e densidade semântica do vocábulo latino.
Literalmente, gravitas significa
peso. Este peso, todavia, não é um peso físico mas moral. O peso que alguém
ostenta devido à profundidade da personalidade, à seriedade, à responsabilidade
e ao fundo compromisso com o dever. A gravitas
foi vista como o pilar do gentleman
inglês nas épocas Vitoriana e Eduardina. Até ainda bem dentro da segunda metade
do século XX, um político que se prezasse ostentava a gravitas como forma de legitimar a sua presença no poder.
Sem se perceber muito bem porquê, talvez devido aos eflúvios
do Maio de 68, a gravitas deixou de
ser uma virtude que um homem político devesse ostentar. Talvez as câmaras da
televisão, depois da grande revolução dos costumes, convivam mal com
personagens graves, profundas e sérias. Elas precisam de outro tipo de actor
político para animar o show business.
Ora a decadência da gravitas não
representa apenas a substituição de políticos com peso na sociedade por
políticos cuja característica seja a leveza. A diluição da gravitas arrastou com ela o desaparecimento dos atributos que a
compunham. Não apenas desapareceram as personalidades profundas, como
desapareceram o culto da seriedade, da responsabilidade e o compromisso com o
dever. Não vale a pena dar exemplos tanto em Portugal como por essa Europa
fora. Talvez com a excepção da senhora Merkel, o mundo político é risível.
Em tudo isto há um sintoma de uma doença profunda que atinge
as nossas democracias. Essa doença, porém, não tem a sua origem nas elites
políticas mas nos cidadãos e nas comunidades. Estas, com o desenvolvimento da
democracia e do bem-estar, tornaram-se complacentes com as elites dirigentes.
São os eleitores que permitiram, primeiro, e exigiram, depois, que a gravitas desaparecesse da vida política.
São elas que escolhem políticos risíveis, que veneram gente irresponsável. São
elas que desligaram, nas suas concepções de vida e de comunidade, a relação
entre dever e política. Assim como os monarcas absolutos, no Antigo Regime, se
libertaram da tutela do papado, também os políticos actuais estão a libertar-se
da tutela dos cidadãos. Estes são agora cúmplices da leveza com que as elites
governativas tratam do bem público. Ora, contrariamente ao que se possa pensar,
a democracia não é um regime irrevogável. Um dia poderá cair por falta de gravitas.
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