A minha crónica natalícia em A Barca.
As nossas sociedades secularizadas, mesmo se compostas por pessoas formalmente cristãs, perderam há muito qualquer relação profunda com a religião. Observemos o Natal. Este, devido à sua transformação numa grande festa pagã, em tudo contrária à frugalidade do presépio, é um caso perdido. Para compreender essa perda, vale a pena perscrutar aquilo que as sociedades tradicionalmente cristãs abandonaram no processo de secularização. Ligado ao Natal está o Advento. O interessante desse tempo de preparação do Natal é o seu conjunto de valores, os quais todos nós, crentes, agnósticos e ateus, podemos partilhar. Sublinho três. O arrependimento, a fraternidade e a paz. Nenhum deles exige que sejamos crentes.
As nossas sociedades secularizadas, mesmo se compostas por pessoas formalmente cristãs, perderam há muito qualquer relação profunda com a religião. Observemos o Natal. Este, devido à sua transformação numa grande festa pagã, em tudo contrária à frugalidade do presépio, é um caso perdido. Para compreender essa perda, vale a pena perscrutar aquilo que as sociedades tradicionalmente cristãs abandonaram no processo de secularização. Ligado ao Natal está o Advento. O interessante desse tempo de preparação do Natal é o seu conjunto de valores, os quais todos nós, crentes, agnósticos e ateus, podemos partilhar. Sublinho três. O arrependimento, a fraternidade e a paz. Nenhum deles exige que sejamos crentes.
A desvalorização da contrição cristã, mesmo pelos cristãos,
é algo que nem um ateu deve celebrar. O arrependimento está ligado à
falibilidade humana, ao reconhecimento dos nossos limites, à tomada de
consciência do mal que fizemos aos outros. O arrependimento é um trabalho de
contínua educação moral que o sujeito faz sobre si mesmo. Haver, no ano, épocas
em que ele é solicitado significa que a sua importância está viva. Hoje em dia,
o arrependimento é visto apenas como um problema da consciência individual, no
melhor dos casos, ou como uma fraqueza que se deve evitar. Tornou-se
irrelevante, socialmente.
A fraternidade, por seu lado, é fundamental em qualquer
sociedade e, por maioria de razão, em sociedades concorrenciais. Estas estão
organizadas para que, a todos os níveis, os indivíduos concorram uns com os
outros. Esta concorrência tem méritos inegáveis. Fornece melhores produtos,
torna as pessoas mais capazes, melhora as próprias instituições. Tem, todavia,
um perigo. A sua natureza adversarial pode conduzir à ruptura dos laços
comunitários. A fraternidade lembra-nos que pertencemos todos à mesma espécie,
que, para além de concorrentes, somos irmãos e, por isso, temos um dever de
cuidado mútuo e de manutenção entre nós da paz, essa outra exigência do
Advento.
A secularização das sociedades permitiu-lhes separar a salvação
da gestão da vida civil, o que foi uma conquista civilizacional. Mas, ao
olharmos para a vida de hoje, não deixa de haver um sentimento de perda. A
religião trazia com ela um conjunto de valores e de tempos onde eles se tornavam
manifestos e de exercício obrigatório. De certa maneira, mesmo que a salvação
fosse uma ilusão, as comunidades saíam fortalecidas. O nosso egoísmo natural
era confrontado e posto em cheque. Isso acabou, como todos sabemos. Por que
razão, sem Advento, haveria de haver um Natal que não fosse um exercício
risível de ostentação?
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