Jean-Louis Hamon - La comedia humana (1852)
Fátima Bonifácio terminava o seu artigo no Observador, sobre a eleição de Mário
Centeno, assim: Sintomaticamente,
as reacções mais do que reservadas do PCP e do Bloco à promoção europeia de
Mário Centeno foram mais do que cautelosas. António Costa que se cuide.
Mais do que uma aviso a Costa, a articulista estava a expressar um desejo. Um
desejo, aliás, partilhado por largos sectores da direita. Esse desejo não é
outro senão que o BE e o PCP façam o trabalho que a direita parece incapaz de
fazer: derrubar o governo para que ela, direita, retorne ao poder.
Ontem, por um acaso, ouvi, na SIC Notícias, Mariana Mortágua
dizer, sobre a eleição de Centeno, duas coisas. Primeira, que a eleição de uma
pessoa não implica uma alteração das políticas de uma instituição e que não é
expectável que haja qualquer novidade vinda do Eurogrupo. Segunda, que sempre
houve uma divergência de fundo entre o BE e o PS sobre as questões do euro e
das políticas que estão com ele relacionada. Apesar disso, acrescentou, tem
havido condições para um acordo político. Não muito diferente será a posição do
PCP.
O interessante é a conjugação das duas afirmações. Dito de
outra maneira. No plano dos princípios, há uma divergência entre o PS e os
partidos à sua esquerda. No entanto, e apesar da posição socialista implicar o
respeito pelas políticas europeias, essa divergência não é fundamental. Não tem
a importância suficiente para impedir um acordo e uma convergência de esforços
das esquerdas. Há duas maneiras de ler a situação. Uma é a desejada pela
direita: que esta divergência cause o colapso da geringonça. A outra é aquela
que a direita teme e recalca: na prática e apesar de alguma retórica, BE e PCP
aceitaram as regras do jogo e os princípios de equilíbrio orçamental e de
combate ao défice público.
Dois anos de governação e três orçamentos parecem provas
empíricas suficientes para suportar esta última afirmação. Por que razão a
esquerda – que a direita, em desespero de causa, não se cansa de chamar radical
– aceitou as regras do jogo? A coisa explica-se em poucas palavras: a Grécia e
a governação Syriza. Quem quer copiar, seja onde for no mundo ocidental, as
peripécias dos primeiros tempos do Syriza? Quem quer sofrer a humilhação que
este sofreu? Os partidos políticos também aprendem.
O resultado de tudo isto não deixa de ser caricato. A grande
clivagem política que animou o debate público, nos últimos dois anos, sobre a
governação do país era pura e simplesmente inexistente. De uma maneira ou de
outra, uns através dos princípios e outros através das práticas têm estado de
acordo. Estas encenações com as suas liturgias, contudo, não servem apenas para
satisfazer as clientelas ideológicas dos partidos. Servem também para esconder
a sua falta de ideias sobre o que fazer do país. Na verdade, uma comédia. E é
aqui que está o problema.
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