Cresci num ambiente onde se gostava de futebol e também eu,
seguindo a tradição da família do meu pai, cultivei um grande interesse pelo
jogo. Não por praticá-lo, pois nunca tive qualquer habilidade para o desporto,
futebol ou outro. Lia os jornais desportivos, acompanhava os relatos na rádio, via
os jogos, vibrava com as vitórias do clube do coração. Lembro-me de uma vez, na
faculdade, a professora de Ética ter ficado espantada quando lhe disse que
tinha faltado à sua aula para ver um jogo do Benfica. Isso, porém, foi há
muito. Este gosto não o transmiti aos meus filhos. Na verdade, não fiz nada
para o deixar como herança.
Hoje em dia, as vitórias e as derrotas do meu clube
deixam-me indiferente. Há em mim uma certa tristeza por isso. O futebol era uma
fantasia vinda da infância, uma ilusão sobre heróis que se superavam para
derrotarem outros heróis. Curiosamente, guardo na memória muitos nomes de
heróis adversários que são tão grandes para mim como os do meu clube. São
todos, porém, jogadores antigos, que começam a desaparecer e que talvez tenham
também eles vergonha daquilo em que o futebol se tornou.
O caso do jogador Marega em Guimarães veio apenas reforçar
as razões que me afastaram desse prazer que era o futebol. Dizia-se que o
desporto era uma escola de virtudes. Talvez fosse, mas o futebol parece-me que
há muito não é coisa virtuosa. Os insultos racistas são apenas um dos seus
lados tenebrosos, talvez o mais inumano. No futebol profissional, e não sei se
no outro contaminado por este, o fair-play
não existe. Adversários e equipas de arbitragem são tratados como coisas, que
devem ser constantemente insultados e vaiados se o jogo não corre de feição. As regras da cordialidade e da civilidade
foram proscritas dos campos de futebol. Isso, porém, não é o pior.
A suspeição constante sobre os resultados, a ideia de que
nenhum troféu é vencido pelo mérito desportivo, as palavras incendiárias dos dirigentes,
os ataques dos treinadores, o rancor dos comentaristas afiliados nos clubes,
tudo isso cria uma atmosfera tenebrosa, uma espécie de estado de natureza
hobbesiano, onde impera a guerra de todos contra todos, uma guerra até contra
os jogadores ou dirigentes do próprio clube. Um conflito onde há violência
verbal e física, com mortos pelo caminho. Tudo isto envolvido em muito
dinheiro, numa indústria que para ganhar cada vez mais não hesita em explorar o
que há de mais baixo nos seres humanos. Uma escola de virtudes? Só se as
virtudes forem confundidas com o vício. O racismo nos campos de futebol é
cereja em cima do bolo.
[A minha crónica em A Barca]
Isso mesmo. Nunca fui adepta de qualquer clube mas conhecia alguns jogadores e via os jogos da selecção. Agira abomino esse mundo. É o palco de tanto do que de pior existe no ser humano "normal".
ResponderEliminarÉ, na verdade, um triste retrato da nossa época. Em certos aspectos, antecipou os dias que vivemos e noutros contribuiu para o seu surgimento.
EliminarGlória ao Vencedor!
ResponderEliminarHonra ao Vencido !
Lema Olímpico e do Barão Pierre de Coubertin. Que parvalhão,pensam as claques...
Eu, que fui do berço para o campo do Glorioso SLB, estou desencantado, mas não me liberto da minha paixão clubística, apenas não me deixo alienar.
ResponderEliminarUm abraço
Tudo se tornou uma imensa tristeza e falta de civismo. Talvez os desportos de massa acabem todos assim, colonizados pelos interesses do dinheiro, ocupados por gente que está longe de ser recomendável.
EliminarAbraço