Modesto Llamas Rojamaril, ¿Hacia dónde?, 1998 |
Atravessado por longas rachas, o estuque luta ainda por se manter
pegado à parede. Nele, manchas de humidade desenham mapas de países
extravagantes, terras lendárias levadas para os confins dos oceanos,
continentes inteiros engolidos pelo sopro do esquecimento, atlântidas suspensas
na imaginação de filósofos ainda tocados por êxtases e delírios. O rodapé alto,
talvez de uns vinte centímetros, apresenta o rebordo superior desbastado pelo
caruncho e a ruína desce, cavando pequenos vales e lagos minúsculos, em
direcção ao soalho, também ele tomado por um destino irremediável. Aqui
florestas de folhas secas agitam-se se o vento entra pela janela desconjuntada.
Vêem-se já pequenos montes de caliça, restos do estuque caído tecto, onde ainda
se percebem os traços das figuras que o decoravam. Encostada à parede, uma
mulher inclina o corpo para a frente. Os cabelos caem-lhe, a blusa abre-se e os
seios brancos saltam e ficam suspensos do peito. Ela fica em posição instável,
mas não se endireita. Parece olhar fixamente para o ventre oculto sob uma roupa
que contrasta com o ambiente. Os braços abrem-se em arco e toda aquela
figuração parece ser uma performance,
um happening infeliz de uma artista
tomada pela vertigem que se escondo dentro do corpo. Oblíquo, um feixe de luz desenha
uma barra cintilante que une a mão direita à perna esquerda, ateando a saia. Os
pés nus, de unhas pintadas num vermelho vívido, assentam sobre as folhas mortas
e parecem fazer um esforça desmedido para evitar a queda do corpo para a
frente. Passados longos minutos, a mulher ergue lentamente o tronco, enquanto
une os braço ao corpo e encosta a cabeça à parede. Tem os olhos fechados,
respira sem sofreguidão e os mamilos parecem querer perfurar a roupa. O rosto é
agora plenamente visível e há nele pequenos reflexos de luz, um brilho trazido
pela beleza, uma vontade imperiosa de reinar sobre o mundo. Toda ela estremece,
abre os olhos e, pisando as folhas mortas no soalho, dirige-se para a porta, também
em ruína, para sair do palco onde imaginou o altar em que se entregava em
oblação aos olhos de quem a quisesse ver.
Belíssima descrição de uma oferta que não se consumou.
ResponderEliminarUm abraço
Obrigadíssimo.
EliminarAbraço