Gustavo Torner - Átomos - Los Cuatro Elementos. Fuego (1986)
Quando se tornou patente a enorme desgraça que se abatera em Pedrógão Grande percebeu-se, não através do discurso oficial mas do rumor militante das redes sociais, que a direita tudo iria fazer para lançar uma nova fronda. O terrível do acontecimento seria uma oportunidade, se não para liquidar de vez o odiado António Costa, para o desgastar de forma irremediável. Com o passar dos dias, esse rumor começa a tentar estruturar-se nos agentes políticos. Veja-se o infeliz caso dos suicídios invocados por Passos Coelho (ver aqui) ou a intervenção na televisão do angélico Marques Mendes. Apesar do assunto ser de tal maneira melindroso e ameaçar incinerar quem o transformar em mais um episódio da batalha pelo poder, a tentação, devido à espectacularidade das consequências, é muito grande. Neste momento, governo e oposição ponderam como limitar os danos políticos ou tirar proveito do acontecido. Nem uns nem outros pensam noutra coisa.
O problema para as elites políticas - aquelas que nos têm governado em democracia - é que todas elas são responsáveis por decisões e omissões que contribuíram para criar condições para que acontecessem fenómenos como os de Pedrógão Grande. O caso SIRESP, a crer no que a imprensa tem relatado, é um exemplo - um pequeno exemplo - desse conluio de irresponsabilidade que une, muito para além das diferenças de cor partidária, as várias governações. Exceptuando os que possuem identidades e inclinações políticas mais definidas e militantes, a generalidade das pessoas percebe isto. No entanto, o problema é mais complexo. Não são apenas as decisões políticas e a eventual inépcia técnica as responsáveis. Há todo um modo de vida que se instalou no país, partilhado por cidadãos e dirigentes, que contribui para que acontecimentos destes tenham um tão terrível desfecho.
O pior que poderá acontecer é que a desgraça de Pedrógão Grande se transforme no início de uma batalha pelo poder. Não porque a direita possa ganhá-la. Não porque a esquerda possa ganhá-la. Fundamentalmente, porque isso ofuscará o que está em jogo. E o que está em jogo são as opções que têm sido tomadas ao longo de muitas décadas por múltiplos governos. O que está em jogo é a natureza do funcionamento das nossas instituições, a sua fragilidade estrutural. O que está em jogo é a própria atitude dos cidadãos. Enfrentar estes problemas - que nascem de hábitos implantados e bem consolidados - é muito mais difícil e desagradável do que lançar uma fronda e combater nela.
Em última análise, essa fronda seria benéfica para o governo e para a oposição. Asseguraria que o essencial se manteria tal como está. Evitaria que se enfrentassem os problemas difíceis e se tomassem decisões desagradáveis, muito desagradáveis, que poriam a nu a natureza maléfica de muitas opções do passado e do presente, que chocariam com os interesses instalados e que seriam contestadas pelos próprios cidadãos. Passado o impacto do momento, o mais provável é que o instinto político dos protagonistas evite enfrentar o desagradável e a tentação frondista se imponha - de início, com certo cuidado - para ocultar os reais problemas que se manifestaram no incêndio de Pedrógão Grande.
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