IOP – Institute of Physics, Reino Unido - Descrição geométrica das formas do fotão
Em pequena escala, a luz chega a uma superfície como se fosse um
chuvisco de partículas.
Compreender como a luz pode ser tanto uma onda
electromagnética quanto, ao mesmo
tempo, um enxame de fotões exigirá a completa construção da mecânica quântica. (Carlo Rovelli, Reality Is Not
What It Seems: The Journey to Quantum Gravity)
Deve-se a Max Weber a constatação de que no Ocidente se
teria dado um processo de desencantamento do mundo. Isso significa, ao nível
religioso, a mitologia e as práticas mágico-rituais teriam sido substituídas
por práticas de carácter ético. Um factor central neste processo de
desencantamento do mundo foi a emergência da ciência moderna a partir da revolução
científica dos séculos XVI e XVII. A ciência teria substituído as
interpretações míticas e metafísicas do mundo por um saber positivo, fundado na
aliança entre a experiência e a razão.
Se se ler com atenção o texto, citado em epígrafe, do físico
italiano Carlo Rovelli descobrimos que talvez a morte do mundo encantado tenha
sido uma notícia precipitada. Observe-se a estratégia que ele segue para falar
da luz. Num primeiro momento, utiliza o tropo da comparação. A luz é como um
chuvisco de partículas. Dá a ver aquilo que é invisível aos nossos olhos, a
luz, através da comparação com um fenómeno físico, o chuvisco, um pequeno
aguaceiro. O mundo desencantado da ciência toma agora uma coloração que o
reabre ao encantamento.
O processo, porém, está apenas no seu início. À comparação
segue-se a metáfora. A luz é um enxame de fotões. Ao tentar tornar intuitiva a
compreensão de um fenómeno que os nossos sentido são incapazes de perceber,
Rovelli não tem outra solução que não a de retornar ao território encantado do
mito. E esse retorno é intensificado pelo resultado do uso da metáfora. Dizer
que a luz é um enxame de fotões implica arrastá-la para o território do
animismo. Podemos agora imaginar a luz como sendo constituída por exércitos de
abelhas – ou vespas – luminosas. Nada que o mito, nos tempos encantados
pré-modernos, não tenha feito.
Tudo isto permite compreender a possibilidade de perceber o
mito, a magia, o encantamento religioso e a própria especulação metafísica como
tendo origem não num não saber, numa ignorância fundamental do real ou numa
desatenção à experiência, mas na faculdade humana da linguagem e da sua
constituição intrinsecamente tropológica. O encantamento do mundo é o resultado
de nós, seres humanos, possuirmos linguagem, uma linguagem sempre equívoca,
onde as ditas figuras de estilo, ou tropos, são o elemento central. Mal usamos
a palavra, o mundo encanta-se. E não há positivismo, moralização da religião,
desconstrução dos mitos ou definição conceptual que possa alguma coisa contra o
poder encantatório da linguagem. Enquanto o homem for um ser de linguagem, o
mundo nunca deixará de se encantar.
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