No filme de 2018, o cineasta francês explora os dramas
pessoais trazidos pela primeira Grande Guerra, tendo por pano de fundo o
nacionalismo que desencadeara o conflito e que, terminado este, não declinara,
apesar da extraordinária carnificina a que tinha conduzido. Frantz é um jovem soldado
alemão morto por um soldado francês, Adrien, tão jovem quanto ele. Ambos partilhavam
um destino ambíguo. Eram pacifistas e foram levados para a guerra pela pressão
do ambiente social e da própria família, pela coacção de um nacionalismo
agressivo que habitava o espírito da época. É a hipersensibilidade de
Adrien, um violinista da Orquestra de Paris e filho família, que desencadeia a
trama narrativa, ao sentir necessidade de se fazer perdoar pela família do alemão
que matou numa trincheira. É aqui, nesse instante onde a vida e a morte de dois
soldados se decidiram, que está a raiz de toda a equivocidade que percorre o filme.
O soldado francês em vez de considerar o alemão como um
inimigo abatido, deixa-o transformar-se, aos seus olhos, numa pessoa a quem assassinou. Na trincheira, perante o alemão morto, dá-se uma metamorfose na
consciência de Adrien. De inimigo e ameaça real à sua existência, o alemão transforma-se num outro eu a quem Adrien tirou a vida. A alteração do estatuto
ontológico de Frantz na consciência do francês tem um efeito perturbador. Encontra
nos bolsos do morto o rasto duma vida agora sem continuação, uma carta a enviar à
namorada. Acabada a guerra, o confronto com a morte do outro não deixa de o
abalar e, como forma de catarse, decide partir para a terra de Frantz com o objectivo
de pedir perdão. Um dos elementos fundamentais na construção da personagem de
Adrien é a ambiguidade das suas motivações, nunca ficando claro aquilo que o
move, se a dor dos outros – pais e namorada de Frantz – se a sua consciência
infeliz, incapaz de lidar com o facto de a guerra ser o lugar onde as pessoas matam
para não morrer, onde não há conciliação possível no momento do combate.
A relação que Adrien acaba por estabelecer tanto com os pais
de Frantz como com Ann, a namorada, acaba por se tornar, também ela, equívoca.
A fragilidade moral do francês arrasta-o para uma história falsa e através dela
ganha a confiança e a amizade dos pais do soldado alemão. Quando Ann descobre a
verdade é ela que impede a sua revelação aos que deveriam ter sido seus sogros.
Alimenta uma versão edulcorada da realidade devido a um suposto direito de mentir
por amor à humanidade, para parafrasear o título de um célebre texto de Kant. A
partir daí, o equívoco e a mentira entrelaçam-se, passando Adrien a ser visto
como um possível noivo de Ann e substituto de Frantz. A viagem que Ann faz a
França, para consumar essa substituição de Frantz por Adrien, é um exercício de
descoberta. A descoberta, por Ann, da pusilanimidade do francês, da sua
situação de comprometido apenas por convenção familiar, e, também, a descoberta
de si mesma, da sua força e da própria vida que renasce dentro dela. O filme de
Ozon é uma reflexão sobre a ambiguidade das motivações e o problema da verdade
e da mentira morais, em que Adrien se afunda na mentira a si ao desejar expor a
verdade e em que Ann, apesar de manter uma ficção para os sogros, descobre a
sua força e a sua própria verdade, libertando-se do passado e da guerra.
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