quinta-feira, 16 de abril de 2020

Roberto Rossellini, Roma, Cidade Aberta


Roberto Rossellini começou a filmar Roma, Cidade Aberta em 1944, logo a seguir à expulsão dos alemães da capital italiana. No centro da intriga está, como um efectivo tributo ao espírito da época e ao heroísmo dos que se opuseram ao fascismo e ao nazismo, a resistência italiana e a cruel perseguição dos ocupantes alemães, aliada à pusilânime colaboração de parte dos italianos. O filme é uma obra central na definição do que se convencionou chamar, no âmbito do cinema, o neo-realismo italiano e faz parte do conjunto de filmes de intervenção antinazi, cujo obra mais conhecida é Casablanca (1942), de Michael Curtiz.

A trama narrativa do filme põe em jogo o conflito de vida ou morte entre duas crenças inabaláveis. De um lado encontram-se os que defendem a superioridade ariana com uma convicção que começava a abrir brechas e do outro a convicção da justeza e superioridade moral dos resistentes à ocupação. Apesar do filme pretender ser uma aproximação à vida real das classes populares e ser, de certa forma, um documentário dessa vida, as personagens centrais não deixam de ser idealizações do herói, os resistentes, e do vilão, os ocupantes ou os colaboracionistas, por convicção ou por degradação moral. De um lado a superioridade moral; do outro a perversidade e a baixeza morais. As personagens surgem, deste modo, planas, estereotipadas, sem que se dê conta de uma vida interior complexa, marcada pela dúvida, pela hesitação, pela incerteza.

O filme retrata o modus operandi tanto da resistência como dos ocupantes alemães, uma espécie de jogo do gato e do rato. A resistência opera dentro dos bairros populares, mesmo que os seus dirigentes provenham de outra camada social. É lá que encontra o apoio e o ambiente propício para se ocultar. Os alemães, por seu turno, exploram a fraqueza moral daqueles – neste caso de duas mulheres – que, provenientes das classes populares, anseiam pertencer ao mundo dos ricos, ainda que seja através de opções morais ignóbeis. A isso aliam uma violência sem limite e sem pruridos morais.

Para além da questão central, o combate entre ocupantes e resistência, e de uma visão ideológica sobre as classes sociais, o filme mostra como na resistência se juntava o Partido Comunista e a Igreja Católica. Os dois heróis da resistência são um engenheiro comunista e um padre católico. Há uma clara preocupação de evidenciar e reforçar essa unidade, escondendo tudo o que separava os dois campos, separação essa que vai ser estruturante na política italiana do pós-guerra, na qual democratas-cristãos e comunistas se tornam as grandes forças políticas em Itália durante décadas, mas em lados opostos da barricada. Apesar das personagens centrais terem sido reduzidas a tipos idealizados, o filme continua a ser um documento interessante para perceber aquela época, com os valores políticos e a visão do mundo da altura.

3 comentários:

  1. Comunistas e católicos em lados opostos da barricada ?
    E quando se iam juntar,o que aconteceu ?
    As Brigadas Vermelhas,Banieri Rossae, raptam e matam Aldo Moro!
    O teórico das Brigadas até aqui a Portugal veio dar conferências...e entrevista grande ao Expresso,essa imprensa isenta
    Houve processo,na Itália...estão todos livres e prosperam...

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  2. Um grande filme que poderia ter precedido uma experiência única que não chegou a concretizar-se, como a do compromisso histórico.

    Um abraço

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    1. Os grandes partidos que poderiam ter levado a efeito esse compromisso histórico desapareceram. A Democracia-Cristã morreu enredada na corrupção e o Partido Comunista deixou-o de ser, mesmo na versão light que já era a sua.

      Abraço

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