Parece ter caído o Carmo e a Trindade com o anúncio da
eventual criação de uma Superliga Europeia de Futebol, iniciativa dos clubes
mais poderosos de Espanha, Itália e Inglaterra. Há muito que os clubes deixaram
de ser aquilo que foram quando nasceram, organizações populares para as pessoas
praticarem desporto e conferir-lhes identidades mais ou menos paroquiais. Os
clubes eram representantes de um certo espírito local que se sublimava dentro
de campo. Forneciam identidades num tempo em que o capitalismo as erodia.
A transformação desses clubes em sociedades desportivas veio pôr um fim irremediável à relação romântica que esteve na origem da difusão do futebol como desporto popular. Esse fim, todavia, começou lá muito atrás, quando os jogadores se profissionalizaram. Essa lógica culmina agora com a Superliga. Os clubes não são agremiações desportivas, mas empresas privadas que procuram o lucro e se batem por mercados. A Superliga não é outra coisa.
Por outro lado, sem que os próprios adeptos se apercebessem, transformaram-se em clientes. Contam apenas como consumidores de representações tribais altamente profissionalizadas e de emoções, pelas quais estão dispostos a pagar, seja indo ao estádio, seja consumindo o merchandising da empresa/clube, seja pagando os canais televisivos ligados à indústria futebolística. Por que razão os clientes dos clubes que propõem a Superliga não a hão-de querer? Promete-lhes um produto melhor, mais emoções e a pertença à elite fechada das tribos do futebol europeu. Como consumidores têm esse direito.
Quando se diz que as nossas sociedades passaram de economias de mercado para sociedades de mercado é disto que estamos a falar. O mercado absorve todas as actividades humanas, retirando-lhes a aura da iniciativa das comunidades para transformar tudo em mercadoria que se compra e vende. A Superliga, caso venha a existir, resultará da livre iniciativa de um conjunto de empresas que se associaram para uma actividade económica, que dependerá da adesão dos consumidores.
Essa eventual Superliga nem é uma afronta à livre concorrência, como alguns afirmam, pois a sua existência não impede que outras ligas existam e concorram com ela. Aquilo que parece afrontar muita gente é que os grandes clubes europeus querem libertar-se da tutela política das federações e não se dispõem à solidariedade com os mais pequenos e com menos mercado, mas isso está na lógica da sociedade que foi construída, quando tudo se transformou em mercadoria e a sociedade se tornou apenas num mercado, no qual cada um persegue o interesse próprio. Não se pode querer, ao mesmo tempo, sol na eira e chuva no nabal.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.