Yousuf Karsh, Igor Stravinsky, 1952 |
Quando
pensa, o compositor não pensa através da abstracção dos conceitos, mas todo o
seu pensamento são notas entrelaçadas, formando um cordão de sons. Há dias em que
o rio impetuoso se transforma num lago ameno, e toda a música se entrega à
lentidão, numa gravidade imperial, uma quase suspensão do tempo, uma chamada ao
mundo de tudo o que é solene e deve permanecer na memória dos homens. Noutros
dias, a vida é tomada pelo turbilhão do oceano ou pela girândola terrível de um
incêndio. Escuta-se o bramir das ondas ou o estrondear violento das árvores
arrastadas pelo vento e as chamas de um fogo imemorial. O compositor, porém,
permanece opaco e meditativo, encosta-se ao piano e, quase sonâmbulo, deixa que
tudo se passe no lugar mais inacessível aos olhares humanos. Talvez Deus espreite
para dentro do seu ser e siga sobressaltado os sons que ali nascem, a música
que nele se arquitecta. Depois, deixa-o entregue às ondas sonoras e suspende a
sua omnisciência para que, também Ele, possa ser surpreendido pelo pensamento
musical que naquele corpo se pensa. O compositor, diz, não pensa com a mente,
mas com todo o corpo, pois o seu pensar é ritmo e ondulação, o bater do
coração, o ir e vir do ar nos pulmões, o revolver das entranhas, o silêncio das
vísceras. Fecha os olhos para ver. Ensurdece para escutar. Cala-se para dizer.
Compor é saber que em todo o sim existe um não, que em todo o silêncio ruge o
mais rugoso ruído. Como um arqueólogo de si mesmo, conduz a memória ao tempo em
que, no ventre da mãe, escutava os sons do mundo nos sons maternais e sabia já,
naquele encadeamento de largos e adágios, de andantes e moderatos,
de allegros e vivaces, que era musical todos o seu pensamento,
todo o seu coração, todo o seu ser.
Muito bom. Seres de eleição, os compositores.
ResponderEliminarMuito obrigado. São seres especiais e contactam com um mundo etéreo.
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