Quando a internet surgiu e, posteriormente, com a emergência
dos blogues e redes sociais pensou-se que a esfera pública tinha encontrado uma
fonte de renovação. Mais pessoas poderiam trocar opiniões sobre os problemas
que afectam a vida comum, sem estarem controladas pelos diversos poderes,
contribuindo para uma crescente participação, racionalmente educada, nos
assuntos públicos. Olhando para o que se passa – seja nas redes sociais ou nas
caixas de comentários dos órgãos de comunicação online – a sensação é
devastadora.
Existe, na verdade, um aumento da interacção social, mas esse contribui, ao contrário do que se esperava, para degradação da esfera pública. A situação é tanto mais preocupante quanto têm crescido os níveis de escolarização das pessoas, e a esfera pública era vista como um lugar de participação através da razão argumentativa, o que supõe uma população escolarizada. As participações valeriam apenas pela racionalidade dos argumentos e não por quaisquer outras características pessoais.
A generalidade dos participantes nesta nova esfera pública não possui, todavia, qualquer capacidade para argumentar razoavelmente sobre os assuntos públicos. A larga maioria das intervenções não passa da expressão de sentimentos e emoções, do débito de adesões cegas ou de ódios acesos. Quando são apresentados esboços de argumentos, estes ou radicam na incompreensão do que está em causa ou não passam de falácias que visam confirmar aquilo que o emissor sente, uma tentativa de esmagar as opiniões de que discorda.
Uma falácia persistente tornou-se o centro da vida da esfera pública nos tempos da internet. Trata-se do velho argumentum ad hominem (argumento contra o homem). Se alguém propõe alguma coisa, aquilo que vai ser contestado, de modo directo ou indirecto, é a pessoa e não o que ela propõe ou defende. Esta falácia é importante não apenas do ponto de vista da coerência lógica da argumentação, mas porque é o sinal de uma atitude social que se tem expandido com força inusitada nos últimos tempos.
No argumentum ad hominem manifesta-se uma intolerância não apenas com a opinião do outro, mas com a pessoa do outro. Não são razões que são apresentadas, mas um ódio contumaz, destilado de forma mais ou menos agressiva. Aquilo que pareceu ser uma democratização de práticas racionais de argumentação pública com vista ao consenso, não passa, hoje em dia, de um vazadouro do pior lixo que há em nós. Tornou-se numa ameaça persistente às regras democráticas e de convivência social promotoras da amizade cívica entre quem pensa de forma diferente.
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