sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

A maioria absoluta e a situação da esquerda

A maioria absoluta obtida pelo PS confirmou o instinto político de António Costa. Não cedeu às exigências do BE e do PCP e não hesitou em correr riscos. Na sua vitória confluem o reconhecimento pela governação e pelo combate à pandemia, a necessidade de estabilidade, o cansaço com o tom do BE e com a incapacidade do PCP alterar o seu tipo de discurso e, não menos importante, o medo de um governo do PSD dependente do apoio do Chega e da Iniciativa Liberal. Em resumo, derrotou os seus ex-parceiros, a direita e, de passagem, Marcelo Rebelo de Sousa. Tem quatro anos para mostrar, definitivamente, que, para além de um óptimo político, é um óptimo primeiro-ministro, com capacidade para fazer sair o país do impasse em que se encontra.

Foi penoso assistir à declaração de Jerónimo de Sousa. Falou para os seus, entregou-se a uma interpretação esotérica dos resultados eleitorais e da situação política. Foi incapaz de assumir o erro de votar contra o orçamento. Também não mostrou que o partido tenha capacidade de rasgar horizontes para além da retórica habitual sobre os trabalhadores e o povo. Na verdade, o PCP não tem qualquer projecto para governar o país na situação onde este se encontra: pertença à União Europeia, ao Euro e abertura de mercados num mundo globalizado de elevada concorrência. Os portugueses reconheceram isso, retirando-lhe votos e representantes, entre eles o excelente deputado António Filipe.

Não menos penoso foi assistir ao discurso de Catarina Martins. Acusou António Costa de querer uma maioria absoluta e não foi capaz de reconhecer que o BE cometeu um erro estratégico ao chumbar o orçamento. O BE não percebeu que grande parte do seu eleitorado vinha do PS e que votaria no BE apenas se não houvesse perigo. Problema ainda maior é que o Bloco mostrou que não serve para encontrar soluções para o país, não tendo aproveitado a abertura dos socialistas para se transformar num partido de poder credível. Por outro lado, a liderança de Catarina Martins e o estilo que adoptou estão desgastados. Fora dos fiéis, começa a haver pouca paciência para a líder do BE.

Por fim, os ecologistas de esquerda. A ficção de “Os Verdes”, com a sua submissão ao PCP, parece ter acabado. Não deixam saudades nem, tão pouco, uma marca no país. A eleição de Rui Tavares, do Livre, depois do erro de casting de 2019, com Joacine Katar Moreira, pode marcar o início de uma reconfiguração da esquerda à esquerda do PS. Apesar do líder do Livre ter entoado a Internacional, na noite das eleições, não há nele traço de radicalismo, é um político muito bem preparado, sensato e europeísta. É, se não cometer erros, uma ameaça para o BE.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.