O conflito
entre a Rússia e a Ucrânia, devido à dimensão de violência que pode gerar,
acaba por ocultar uma outra questão. Trata-se do casamento entre um
nacionalismo extremado e a figura de um líder forte. Aqui líder forte funciona
como um eufemismo para não escrever ditador. Neste momento, existem na prática
dois líderes mundiais claramente reconhecidos como tal, Vladimir Putin e Xi Jinping,
ambos nacionalistas e ambos autocratas. Se olharmos para o mundo democrático,
que lideranças encontramos que possam fazer frente aos desmandos da Rússia, por
exemplo? Boris Johnson? Emmanuel Macron? Olaf Scholz? Nenhum destes homens tem
os meios ou a determinação dos autocratas russo e chinês. E Joe Biden? Este tem
os meios, mas terá a vontade, a energia e o carisma?
O que se pretende sublinhar é que, mais uma vez na história, a figura do líder forte, do autocrata impiedoso, começa a ganhar o coração dos eleitores. Já entrou na própria União Europeia, instalando-se na governação de alguns países, subvertendo as regras do Estado de direito, sem que isso tenha gerado uma reacção convincente por parte dos grandes países democráticos da União. Além disso, o progresso do fascínio popular com líderes nacionalistas continua. Em França, as sondagens para uma eventual segunda volta das presidenciais têm dado cerca de 45% à senhora Le Pen. Em Espanha, o Vox – um partido nacionalista de vocação autocrática – começa a aparecer nos inquéritos de opinião à frente da direita democrática. O espírito do tempo – isto é, o medo dos eleitores, a impotência das elites democráticas, a cultura de confronto trazida pela extrema-direita – parece estar propício à emergência de novas experiências autoritárias, que se irão instalando com o apodrecimento das democracias liberais.
O nacionalismo e as lideranças fortes já conduziram a Europa e o Mundo a duas guerras mundiais. Se alguém pensa que neste momento a União Europeia é uma força para impedir a vitória dos nacionalismos na sua própria casa, o melhor é fazer contas e olhar para a realidade. Não apenas não existe uma liderança forte e mobilizadora para o projecto europeu, como a memória histórica está a dissolver-se. A segunda grande guerra acabou há mais de 75 anos. A grande maioria das pessoas não faz qualquer ideia do horror que ela foi ou como o nacionalismo e os líderes fortes conduziram a humanidade para o matadouro. Por outro lado, há cada vez mais gente disposta a trocar a convivência europeia pelo fervor nacionalista. A história não parou, como Vladimir Putin está a explicar ao mundo. Para os homens comuns não há coisa pior do que a história em movimento.
[Este artigo foi escrito no dia 21 de Fevereiro e publicado 1 a de Março.]
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