segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Declinação da Sombra 7

António Saúde, Dia de trovoada, 1906

Um brusco bater de asas,
o uivo distante do cão.

Universos de barro e pó,

o som das folhas caídas,

mãos e musgos,

a noite estremecida

no negro trono de rainha.

 

Desprendia-se da macieira

um odor azul,

a cinza sobre a terra,

a paisagem de cal.

 

Na estrada, passava quem ia,

cobria-se a casa de pano:

a seda, o linho,

o algodão em árido ardil.

 

Assim fiavam as fiandeiras,

o tempo

de suas mãos desabava,

um brusco bater de asas,

uma sombra

ao sol do meio-dia.

 

Da árvore, a folha desce.

Nela, uiva o cão,

o grito da tarde

suspende-se, logo cai.

 

(1998)

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