quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Meditações melancólicas (91) O parco poder do tempo

Autor não identificado, Moment of execution, February 1, 1968

Existem estranhas convicções que, muitas vezes, quem as tem nem dá por elas. Numa resposta a um tweet sobre a execução de dois iranianos, condenados num julgamento, no qual os condenados já o eram antes de serem julgados, alguém dizia: Como é possível acontecerem actos bárbaros em pleno século XXI. Nesta afirmação, aliás trivial, existe a convicção de que com o passar do tempo, os seres humanos vão deixando de ser aquilo que eram no passado e se vão tornando mais cordatos, mais civilizados. Por certo, haverá uma crença ingénua no progresso moral da humanidade. Esta crença pressupõe uma outra. A moralidade terá poder, ao exercer ao longo do tempo uma pedagogia civilizatória, para conter e modificar aquilo que existe de tenebroso nos seres humanos.

Apesar de existirem autores, como Steven Pinker, que argumentam a favor de um progressivo domínio dos anjos bons da nossa natureza, um olhar para o século XX só pode deixar desolado quem quer acreditar no progresso moral dos homens. Talvez o tempo – a passagem dos séculos – tenha pouco poder sobre a nossa natureza básica, onde a disposição para a bondade e o altruísmo convivem com a inclinação para a violência e a maldade pura. O século XXI, onde ainda não existiram grandes manifestações de maldade colectiva como aquelas que surgiram no anterior, não parece, todavia, menos propenso para a barbárie. Assiste-se até ao questionamento de certas práticas de convivência social que se tinham por adquiridas. Por exemplo, tem perdido prestígio a ideia da resolução pacífica e negociada de conflitos sociais e de diferenças de opinião moral e religiosa.

Em muitos países democráticos, as forças que defendem soluções violentas têm já grande peso ou estão em crescimento, como se o acto de se sentar com os outros e de negociar com eles exasperasse os instintos de parte da população. Na verdade, estão em confronto duas compreensões do homem. Uma nascida com o Iluminismo e assente na crença de que o homem se vai moralizando com o passar do tempo. Outra fundada no mito da Queda e da Expulsão do Paraíso, na qual o mundo para onde a espécie humana foi enviada é um vale de lágrimas, isto é, um lugar de onde a barbárie nunca será erradicada. É plausível pensar, não sem melancolia, que o mito tem uma compreensão mais funda da situação dos homens do que a racionalidade iluminista com a sua fé no futuro. O tempo pouco poderá fazer para modificar aquilo que a espécie é, a não ser que esta deixe de ser a espécie humana e passe a ser outra coisa. 

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