sábado, 18 de fevereiro de 2023

A questão colonial


A requalificação do Jardim da Praça do Império, de Lisboa, e, especificamente, os brasões das províncias ultramarinas em pedra abrem nova frente de conflito entre direita e esquerda. Não é indiferente dizer província ultramarina ou colónia. Esta linguagem dividia aqueles que apoiavam o regime e os que estavam na oposição, embora entre estes pudesse haver adeptos da colonização. A ideia de império colonial português atravessa tanto a Monarquia como a República e permanece no Estado Novo, reforçando-se com os conflitos coloniais dos anos sessenta e setenta. Salazar abandona a designação de colónias quando os ventos internacionais mudam e a colonização é vista como um atentado à liberdade e à dignidade dos povos colonizados. Portugal, na retórica de Salazar, era uma entidade una que ia do Minho a Timor.

Com o desencadear das guerras coloniais, a oposição, das várias cores, afastou-se do devaneio colonial. O problema é que parte significativa da intelligentsia e da militância da direita democrática e moderada vive na saudade simbólica desse devaneio artificioso que era o Portugal pluricontinental. Tem dificuldade em dizer guerra nas colónias e soletra guerra no ultramar. É uma saudade interessante, pois não acarreta riscos. Aos jovens de direita não se põe o problema de ir combater na guerra e os pais não têm de ver os filhos partir, ou se influentes, usar a influência para que o rapaz tenha uma tropa confortável, longe da frente de combate. Um dos principais problemas do nosso regime, que emerge sempre que se trata do passado, é a cumplicidade da direita portuguesa, ao contrário da italiana ou francesa, com a ditadura. Só o 25 de Abril a libertou e tornou democrática.

Uma democracia deve aprender a olhar para o seu passado com aquilo que teve de exaltante e de aviltante. Faz parte do exaltante o facto de Portugal ter sido um dos artesãos principais da primeira globalização e, desse modo, ter também preparado o mundo para os tempos modernos. Isso não pode tapar o facto de Portugal ter sido uma potência colonial, que esbracejou com outras potências coloniais europeias o domínio de territórios onde existiam pessoas que foram colonizadas e escravizadas. Era o espírito europeu da época, mas esse espírito era objectivamente errado, mesmo que os políticos da altura não o achassem. Era importante que os partidos democráticos, à esquerda e à direita, tivessem uma visão comum sobre a questão colonial, pois esta não é um problema apenas do passado. Toca as relações com os Povos Africanos de Língua Oficial Portuguesa, que terão pouca paciência para o negacionismo luso.

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