domingo, 4 de junho de 2023

A moral e o medo


No Público online de 28 de Maio, há uma entrevista interessante a Mohan Mohan, antigo gestor da Procter & Gamble, uma multinacional detentora de inúmeros marcas bem conhecidas dos consumidores portugueses. A entrevista tem um curioso título: Se os gestores fossem movidos por valores, não teríamos a crise que enfrentamos hoje. O título é interessante porque reconhece explicitamente que a actual crise se deve às opções dos que têm poder de decisão económica. Mais à frente faz o mesmo reconhecimento relativamente à crise do subprime de 2008 nos EUA, que desencadeou, a partir de 2011, as crises das dívidas soberanas na Europa do Sul, entre elas a portuguesa. O interesse da entrevista deriva ainda de outra coisa, do reconhecimento de que os gestores, por norma, não são movidos por valores morais.

A dado passo, é perguntado o seguinte: Acredita que os valores dos gestores constituem a parte mais importante para se evitar fenómenos como o de 2008, mais do que a regulação e a supervisão? A resposta pode resumir-se no Absolutamente. É evidente que se todos os gestores se pautassem por valores morais irrepreensíveis, muitos dos males que acontecem à humanidade não aconteceriam. Todavia, não há nada de mais equívoco do que julgar que a moral tem poder para resolver este tipo de problemas que atormentam a vida de grande parte da população mundial. Contrariamente ao que é sugerido pelas entrevistadoras, é falso que os valores morais tenham mais capacidade para evitar crises económicas catastróficas do que a regulação e a supervisão, isto é, a política e o direito.

A moral liga-se à consciência de cada um e, como todos sabemos, a sanção da nossa consciência é um fraco elemento dissuasor de comportamentos eticamente reprováveis e juridicamente criminosos. O que se passa no mundo é que os interesses económicos colonizaram a política, e esta tornou-se, em nome do livre mercado, complacente com regras económicas que conduzem aos desastres financeiros que arrastam milhões de pessoas para a miséria. A economia emancipou-se da moral e submeteu a política e, através dela, o direito. A solução não está num apelo aos valores e à consciência moral dos gestores, mas a uma independência da política em relação à economia, à existência de regras estritas de regulação e supervisão, e de penalidades jurídicas dissuasoras de comportamentos perigosos. Talvez daí, do medo, os gestores ganhem consciência moral. Sem isso, pessoas e países estarão sempre expostas ao arbítrio de quem manda no dinheiro. Não é só a moral que deve influenciar a criação do direito. Também o direito pode e deve fomentar a moralidade.

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