sexta-feira, 16 de junho de 2023

Os cartazes dos professores

Os cartazes empunhados por alguns professores, no dia 10 de Junho, onde o primeiro-ministro António Costa é retratado com nariz de porco, lápis cravados nos olhos e uma hiperbolização dos seus traços indianos, levantou uma enorme controvérsia. Vale a pena analisar o acontecimento a partir de três perspectivas.

1. A liberdade de expressão. Os cartazes cruzam várias referências. Por um lado, há uma quase citação gráfica da obra de Georges Orwell, O Triunfo dos Porcos, por outro, há uma inscrição do cartaz na área da caricatura. Uma questão que se pode debater é se o cartaz é racista. Ele representa uma crítica ao primeiro-ministro por ser primeiro-ministro ou porque, além de ser primeiro-ministro, tem parte das suas origens na Índia? É plausível que o cartaz possa ser interpretado como um acto racista. Os comportamentos racistas devem ser perseguidos pela justiça. Contudo, neste caso, isso seria errado. Estamos numa zona de fronteira entre a crítica política e a ofensa pessoal de péssimo gosto. O direito à liberdade de expressão deve prevalecer.

2. Os interesses dos professores. Será que os cartazes reforçaram a posição dos professores no amargo conflito que travam com o governo? Não, claramente não. Por dois motivos complementares. Em primeiro lugar, a ofensa gratuita, mesmo apresentada como crítica, tem má imprensa e pior recepção na comunidade. Em segundo, porque os professores não podem ostentar certo tipo de comportamentos. Deles espera-se, mesmo quando maltratados pelas governações, uma posição mais discreta e civilizada, mesmo que firme nas suas reivindicações. Por desesperada que seja a situação de muitos professores, e é, há uma coisa que não podem perder, essa coisa é a imagem de dignidade inerente à sua função. Fez bem a FENPROF em demarcar-se de imediato.

3. A saúde da democracia. Este acontecimento insere-se num movimento em que as regras de civilidade parecem estar em recuo. Por detrás dessa onda, no qual este episódio é uma mera gota, está um processo em curso que, alimentado por sectores políticos inimigos da democracia liberal, aproveita todas as situações para corroer as instituições e a convivência democrática. Isto significa, literalmente, transformar adversários políticos em inimigos, os quais podem ser tratados como se não fossem pessoas morais (é o que simboliza o cartaz). Isto não é novo. A novidade reside na quantidade de situações destas, que começam no parlamento, são intensificadas nas redes sociais e acabam por se exibir nas ruas. São tempos difíceis para a convivência democrática.

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