domingo, 2 de fevereiro de 2025

O valor da liberdade e da democracia

O que está em jogo na arte transcende a dimensão ideológica, cujo peso pode sufocar e aniquilar uma obra de arte. Existem, porém, grandes obras de arte que não excluem – pelo contrário – uma natureza interventiva. Esta introdução vem a propósito de duas obras com que lidei recentemente e que, do ponto de vista da intervenção política, têm esclarecem a importância de aspectos da vida política que parecem estar em desvalorização acentuada nos dias que vivemos. As obras são o filme brasileiro Ainda Estou Aqui (2024), realizado por Walter Salles, com o extraordinário desempenho de Fernanda Torres; e o romance Isso Não Pode Acontecer Aqui (1935), do Nobel norte-americano Sinclair Lewis. Os aspecto esclarecidos são a liberdade e a democracia.

O filme parte de um caso verídico, o assassinato do antigo deputado Rubens Paiva pela ditadura brasileira em 1971. Retrata o modo como a mulher e os cinco filhos sobrevivem à prisão, desaparecimento e morte do marido e pai. Morte que a ditadura nunca reconheceu. O romance de Sinclair Lewis é uma ficção distópica que parte da premissa de uma vitória, nas eleições de 1936, de um fictício senador democrata, Berzelius “Buzz” Windrip. Este instaura nos EUA um estado totalitário, combinando aspectos do fascismo e do nazismo europeus com tendências populistas norte-americanas. Estas obras tornam muito claro para o auditório o que é viver num país onde as liberdades foram destruídas. Ambas mostram o que é o poder político quando aqueles que o detêm não têm quaisquer limites para o exercer. A vida de qualquer pessoa passa a valer menos que nada. Tudo depende dos humores de quem tem o poder e daqueles que o servem – e nunca lhes faltam dedicados e cruéis servidores.

O grande valor político-ideológico que as duas obras veiculam é o valor da liberdade: das liberdades cívicas e das liberdades políticas. Mostram, indirectamente, que uma democracia liberal, onde o próprio poder está dividido e submetido à lei, onde as pessoas não são perseguidas pelo que pensam e pelo que querem para o país, dentro de regras explicitadas pela lei, é o único regime que respeita a dignidade do homem enquanto ser dotado de razão. Aquilo que qualquer ditadura faz, seja um regime autoritário ou um regime totalitário, não é apenas perseguir os seus oponentes. Ao aniquilar a liberdade dos homens, destrói-lhes a dignidade e nega-lhes a capacidade de dirigir a sua vida e participar, com os seus valores e crenças, na vida da comunidade. Nos dias que correm, estas duas obras recordam aquilo que muitos querem esquecer – e destruir. O valor liberdade e da democracia.