quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Uma ameaça existencial

 

Julgo que, depois do telefonema entre Trump e Putin e da intervenção do vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, em Munique, os líderes europeus terão percebido o grande sarilho em que estamos metidos. Na prática, a actual liderança americana entregou parte da Ucrânia, ou talvez toda, à Rússia. Mas não foi apenas a Ucrânia que foi entregue aos russos; toda a Europa parece agora aos seu alcance. A NATO, neste momento, não é mais do que uma sigla que ecoa um passado recente, um incómodo para o movimento MAGA, que suporta Donald Trump e que parece a caminho do fim. E, sem a NATO – ou mesmo com a NATO, mas sem compromisso militar norte-americano –, a Europa fica indefesa perante uma superpotência nuclear como a Rússia.

Há uma convergência estratégica e de interesses entre a liderança russa e a nova liderança norte-americana, e essa convergência pode passar pela dominação territorial ou, pelo menos, pela submissão de países livres à esfera de influência das duas grandes superpotências nucleares. No pior dos cenários, teríamos uma “operação especial” russa para dominar militarmente toda a Europa e, do outro lado, a “transformação” do Canadá no 51.º estado dos EUA e a ocupação da Gronelândia. Num cenário menos dramático, teríamos a submissão dos países europeus à Rússia através de processos eleitorais, onde a extrema-direita pode ter um papel importante, bem como a cedência das lideranças nacionais europeias aos interesses russos, numa espécie de servidão voluntária; enquanto, no outro lado do Atlântico, os EUA sufocariam economicamente o Canadá e desestabilizariam a Gronelândia.

Neste momento, a União Europeia e a Europa Ocidental não integrada na União enfrentam um problema existencial. O que está em jogo já não é salvar as democracias e evitar o retorno a regimes autoritários, mas assegurar a independência e a capacidade dos países europeus de decidirem o seu destino. E este é o principal problema. Esta capacidade era débil, pois assentava na dependência do amigo americano. Agora que o amigo americano está a caminho de se tornar inimigo, essa fragilidade tornou-se dolorosamente clara. Resta saber se as lideranças europeias – onde a inglesa deve ser incluída – estão dispostas a enfrentar os perigos que se perfilam no horizonte e se os povos europeus estão dispostos a defender a sua liberdade e os seus valores ou se, adormecidos por oitenta anos de paz e liberdade, preferem entregar-se nas mãos de quem os queira dominar. Se há coisa que me alegraria, nesta parte final da vida, seria que tudo isto não passasse de uma fantasia de um velho esclerosado. Duvido, porém, que o seja.

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