Por isso o homem santo
Conhece-se a si mesmo sem se exibir
Ama-se a si mesmo sem se
dignificar…
Lao Tse, Tao Te
King, LXXII
Abandonara
o deserto havia três meses e caminhara por vias secundárias, parando apenas
quando a noite se anunciava no horizonte, evitando outro transporte que não os próprios
pés. Por vezes, se a natureza não lhe fornecia alimento, entrava numa aldeia ou
numa vilória e comprava fruta e pão. Olhavam-no surpreendidos, mas ninguém lhe
perguntava quem era, de onde vinha, para que sítio se dirigia. Era parco em
palavras, mas olhava com bonomia as pessoas com que se cruzava e recebia em
troca um sorriso e, surpreendentemente, olhares de aprovação.
Quando
chegou à cidade, estremeceu. Desabituara-se daquele mundo e sentiu, nas
primeiras horas, dificuldade em ajustar-se ao burburinho. O silêncio tinha sido
a sua vida durante anos. Depressa, contudo, se habituou, como se o silêncio que
aprendera tivesse tomado conta de si, se tornasse parte dele, uma sombra que o
acompanhava para onde fosse. Conversou com homens e mulheres e logo percebeu
que, passados alguns momentos, se abriam com ele, oferecendo-lhe o segredo das
suas vidas, a dor que os aprisionava, a sombria tristeza em que definhavam,
alguma breve alegria que a vida lhes dera. A eloquência que admiravam nele vinha
do olhar e nunca as suas palavras eram excessivas. Uma metáfora, uma breve
alegoria, nunca uma ironia, abriam nos outros uma alma agradecida.
Durante
anos meditara olhando as areias do deserto. Abandonara a cidade cansado de si,
exaurido por uma vida que crescia em insignificância, deixando tudo e todos para
se entregar ao vazio que a monotonia do deserto lhe dava. Nos primeiros anos, um
mundo de interrogações e incertezas assaltavam-no e cobriam de dúvidas o
espírito ainda inquieto. Um dia, ao olhar um grão de areia, viu-se a si mesmo e
descobriu a verdade que o habitava. Ele era aquele grão ínfimo de areia, que o
sol iluminava e o vento arrastava a seu belo prazer. Pela primeira vez amou em si
este ser marcado pela irrelevância e destituído de qualquer poder. Era um grão
de areia perdido no universo e isso bastava-lhe. Ao chegar à cidade, foi esse
grão de areia que ofereceu aos outros e a quem estes, sem saber a razão, ofereciam,
reconciliados, o doloroso segredo das suas vidas.
Muito bom! Um brinde aos grão de areia iluminados pelo Sol! Bom Ano!
ResponderEliminarMuito obrigado, Maria. Um bom Ano.
EliminarUm grão de areia nada representa no deserto, mas pode ter um grande significado na cidade.
ResponderEliminarMuito belo.
Um abraço
Obrigado.
ResponderEliminarAbraço