sábado, 2 de março de 2019

O fastio à esquerda


Os parceiros da maioria parlamentar parecem enfastiados uns dos outros. Poder-se-ia pensar que esse fastio mútuo que os partidos de esquerda nutrem entre si se deve ao clima político em que vivemos, à necessidade que cada um sente em marcar terreno e ocupar o maior espaço eleitoral possível. É verdade, mas não é a verdade toda nem tão pouco a mais importante. O que se passa é que a esquerda não teve o talento nem o interesse para produzir uma política partilhada pelas três forças partidárias que a constituem. O que marcou estes tempos de acordo parlamentar de esquerda foi, por um lado, uma coligação negativa contra a direita e, por outro, um cálculo constante de como ganhar votos à conta da distribuição do orçamento de Estado, jogo que as partes têm denominado como reposição de rendimentos. Como política, o único adjectivo que me ocorre é miserável.

Com o descalabro a que experiência socrática conduziu o país, este teve duas oportunidades para olhar a realidade em que vive, repensar-se e tomar decisões que permitissem enfrentar um mundo instável e ameaçador. Passos Coelho, enredado num devaneio ideológico liberalizante, optou, com a ajuda de Paulo Portas, por uma agenda política de perseguição às classes médias e aos trabalhadores, sem que se percebesse a utilidade, tanto política como económica, do exercício. António Costa, menos ideológico, viveu sempre na expectativa de fazer do actual governo a rampa de lançamento de uma futura maioria absoluta. À sua esquerda a motivação, para além do sarro ideológico, foi evitar essa hipotética futura maioria dos socialistas. Com tudo isto, o país perdeu oito anos. Resolveu, temporariamente, o défice, mas fora isso degradou-se.

Para os eleitores de esquerda esta experiência, se olhada com frieza racional, tem um sabor meio amargo. Podem ficar agradados por se terem libertado das idiossincrasias de Passos Coelho, dos seus devaneios ideológicos e da perseguição às classes médias e populares, mas fizeram a prova da impotência dos partidos de esquerda para abandonarem as suas crenças mais dogmáticos e disporem-se a um programa comum que enfrentasse os problemas do país (e não apenas desta ou daquela classe social) no âmbito dos compromisso em que nos movemos. Esta é a causa do fastio que tomou conta da esquerda portuguesa, o que é reforçado pela sensação de que uma repetição desta solução política não apenas é difícil como é inútil. A esquerda teve uma oportunidade que se apresta, por falta talento político e de respeito pelos seus eleitores, para deitar para o lixo.

[A minha crónica em A Barca]

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