Os parceiros da maioria parlamentar parecem enfastiados uns
dos outros. Poder-se-ia pensar que esse fastio mútuo que os partidos de
esquerda nutrem entre si se deve ao clima político em que vivemos, à
necessidade que cada um sente em marcar terreno e ocupar o maior espaço
eleitoral possível. É verdade, mas não é a verdade toda nem tão pouco a mais
importante. O que se passa é que a esquerda não teve o talento nem o interesse
para produzir uma política partilhada pelas três forças partidárias que a
constituem. O que marcou estes tempos de acordo parlamentar de esquerda foi,
por um lado, uma coligação negativa contra a direita e, por outro, um cálculo
constante de como ganhar votos à conta da distribuição do orçamento de Estado,
jogo que as partes têm denominado como reposição de rendimentos. Como política,
o único adjectivo que me ocorre é miserável.
Com o descalabro a que experiência socrática conduziu o
país, este teve duas oportunidades para olhar a realidade em que vive,
repensar-se e tomar decisões que permitissem enfrentar um mundo instável e
ameaçador. Passos Coelho, enredado num devaneio ideológico liberalizante, optou,
com a ajuda de Paulo Portas, por uma agenda política de perseguição às classes
médias e aos trabalhadores, sem que se percebesse a utilidade, tanto política
como económica, do exercício. António Costa, menos ideológico, viveu sempre na
expectativa de fazer do actual governo a rampa de lançamento de uma futura
maioria absoluta. À sua esquerda a motivação, para além do sarro ideológico,
foi evitar essa hipotética futura maioria dos socialistas. Com tudo isto, o
país perdeu oito anos. Resolveu, temporariamente, o défice, mas fora isso
degradou-se.
Para os eleitores de esquerda esta experiência, se olhada
com frieza racional, tem um sabor meio amargo. Podem ficar agradados por se terem
libertado das idiossincrasias de Passos Coelho, dos seus devaneios ideológicos
e da perseguição às classes médias e populares, mas fizeram a prova da impotência
dos partidos de esquerda para abandonarem as suas crenças mais dogmáticos e
disporem-se a um programa comum que enfrentasse os problemas do país (e não
apenas desta ou daquela classe social) no âmbito dos compromisso em que nos
movemos. Esta é a causa do fastio que tomou conta da esquerda portuguesa, o que
é reforçado pela sensação de que uma repetição desta solução política não
apenas é difícil como é inútil. A esquerda teve uma oportunidade que se apresta,
por falta talento político e de respeito pelos seus eleitores, para deitar para
o lixo.
[A minha crónica em A Barca]
O culto do q.b. foi chegando. Aguardemos os novos tempos.
ResponderEliminarUm abraço
O problema é que o q.b. pode não bastar.
EliminarAbraço