Ellsworth Kelly, Shadows Under a Balcony, 1950 |
No chão desenha-se
ainda um caminho de terra batida. A humidade e o frio compactaram-na,
tornando-a mais dura sob os pés cautelosos que, por vezes, a pisam. Aqui e ali,
descortinam-se pequenas poças. Uma água suja e cansada, quase sólida, onde
repousam folhas mortas, pedras, pequenos ramos secos. O resto, porém, está
coberto pela brancura irisada da neve, um espelho imaculado que reflecte o
mundo. Não há nela pegadas humanas ou de animais, pois uma ordem severa impõe
uma disciplina estrita de respeito pela vastidão do manto branco. Um
castanheiro antigo retorce-se despido. Sobre os seus ramos amontoam-se flocos que
fazem lembrar pequenas aves brancas pousadas na madeira escurecida pelo
Inverno. O tronco, em baixo, é rodeado por um banco circular de granito, onde,
nas estações mais amenas, não é inabitual encontrar ali alguém sentado, quase
sempre em silêncio, evadido da frivolidade das conversas que animam o mundo. A
alguns metros da árvore, vindo do tempo da fundação, há um velho fontanário de
pedra, de onde sai uma água cristalina e gélida que cai em borbotões na pia circular,
para depois se evadir, formando um pequeno regato que se precipita encosta
abaixo. Num dos edifícios, o mais recuado, a capela, a neve amontoada da última
noite desliza devagar pelas abas negras do telhado e precipita-se no pátio com
um ploc-ploc surdo. Sobre o pórtico, uma estátua de um santo enfrenta a
invernia com decisão, indiferente aos humores do clima ou aos pássaros que o
escolhem como poiso temporário, para ali ganharem energia e se alçarem aos céus.
Sob as arcadas do edifício principal, um coro de monjas, ocultas em seus
hábitos castanhos com grandes golas brancas, enfrenta o frio e canta. A voz aguda
e cristalina penetra na montanha e eleva-se às esferas celestes, entoando um
requiem que suspende o tempo e deixa entrever, na luz que se desprende das
velas, o sinal de uma eternidade quase palpável que se estende pelo mosteiro e
transborda num eco sem fim pelas encostas íngremes e pelas florestes onde dormem os animais selvagens.
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