David Turnley, Student Painting Sign for Protest, Beijing, China, April-June 1989 |
A mão
pára, suspende-se sobre o papel, enquanto a consciência se revolve para
encontrar a ideia exacta e os caracteres que a hão-de manifestar ao mundo. Parecendo
hirto, petrificado, o corpo freme. O sangue, secreto e inviolado, circula impetuoso,
tomando velocidades que o hábito não permite. Ela, naqueles instantes, vive no
inabitual e, nesta casa, o mais inconcebível é permitido. Há no coração sombras
de revolta, paisagens desordenadas, dunas de areia fustigadas pelo vento, ondas
alterosas do oceano da emoção. Acocorada e sediciosa, não sabe a natureza de
ménade que a possui, que opera dentro das suas células, que a toca no mais
secreto que há em si, no fundo que a liga às pulsões do cosmos e às moradias
onde os lençóis do ser se tecem em segredo. A jovem estudante pinta no
cartaz da revolta a pulsão de eros que a arrebata e faz sonhar, ao longe, outro
contestatário, preso no alvoroço, devaneia com aquele corpo inclinado para o
papel. Ela é então um ser sonhado pelo desejo de alguém que ela ainda não
encontrou, que ainda não desejou. Os cabelos apanhados com simplicidade esperam
ansiosos pela mão que os desprenda e faça correr por eles dedos firmes e
afáveis, que ao tocar-lhes ao de leve a arrebatem para um paraíso sonhado nos
dias aprazíveis. A mão desce, vagarosa e hesitante, e traça no papel o rumo preciso
que a levará para os olhos que a desejam. A revolta do coração cresce a cada
toque do pincel no cartaz, enquanto o corpo se esquece do tumulto da injustiça
e se deixa tomar por uma ordem mais antiga e mais pura, que assegura à vida a
sua continuidade, mesmo se o mundo se lhe opõe com cadeias de ferro e lanças de
fogo, com o aço inoxidável dos carros de combate incendiando a fragilidade do
papel.
Muito bom.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado.
EliminarAbraço