Yousuf Karsh, Pablo Picasso, 1954 |
O
pintor não pinta. Descansa a cabeça, encostando, com leveza, o rosto à mão. O
que vê diante de si não é o que lá está, mas aquilo que ainda não veio à
existência. O pintor pensa, mas não pensa como os outros homens. Os seus
pensamentos são feitos de luz e cor, de linhas e figuras. Tudo isso se
entrelaça mesmo por detrás dos olhos, num sítio guardado por muralhas
inexpugnáveis. Se do olhar se soltam chispas, não é porque ele queira incendiar
a casa e o mundo, mas porque um fogo arde dentro do seu corpo, e este é
demasiado frágil para conter as labaredas. Então, o fogo expande-se para dentro
de uma tela, ganha cor, deixa escapar raios de luz, sombreia em linha
perfeitas, que logo se quebram, tornando-se um labirinto. Nesse momento, o
coração do pintor é um labirinto de labaredas, de paisagens devastadas pelo
ócio de nelas pensar. Não como os outros homens pensam, mas com pensamentos
feitos de imagens em movimento. O pensamento do pintor é uma sessão de
animatógrafo. Em turbilhão, de dentro dele, saem imagens que se projectam na
tela, ganhando e perdendo contornos, fazendo e desfazendo mundos, criando retratos
que logo se contorcem para que, na arbitrariedade das linhas, se descubra a
senda que leva à verdade. O pintor guarda a verdade do mundo na ponta dos dedos
com que pega nos pincéis para se tornar um médium entre o mundo, aquele que só
ele descobre no fogo do sentimento, e os olhos daqueles cujos pensamentos não
são feitos nem de luz, nem de cor, nem de linhas, nem de figuras. O pintor
descansa a cabeça e descansa as mãos, pois são árduos os trabalhos que esperam a
uma e a outras, assim que o gongo soar para que ele se dirija ao ringue e,
diante da tela, defronte o adversário que se esconde dentro de si.
Muito bom. Um texto magnífico.
ResponderEliminarAbraço
Muito obrigado.
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f a b u l o s o !
ResponderEliminarMuito obrigado.
EliminarMuito bom!
ResponderEliminarMuito obrigado.
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