quinta-feira, 3 de junho de 2021

Baixos padrões


Segundo o Público, Dominic Cummings, antigo conselheiro de Boris Johnson, terá afirmado, referindo-se à pandemia de COVID-19: “A verdade é que os ministros de topo, os funcionários de topo e os conselheiros de topo, como eu, ficaram desastrosamente aquém dos padrões que a população tem o direito de exigir ao seu Governo durante uma crise desta natureza. Quando a população mais precisou de nós, o Governo falhou”. A declaração de Cummings alerta para um facto curioso que está a ocorrer nas democracias ocidentais. Ao mesmo tempo que cresce o escrutínio dos governos, devido às redes sociais, cresce uma espécie de complacência com as más decisões, os erros ou a cegueira dos governos. Os governos aprenderam a lidar com o ruído dessa opinião pública e esta, apesar da sua virulência palavrosa, foi apanhada numa rede que lhe tolhe o espírito crítico.

As palavras de Dominic Cummings sublinham outra questão. A governação deve estar a cargo de uma elite. Democrática, no seu acesso, mas uma elite. Quem governa deve pautar-se por elevados padrões, submeter-se a uma apertada disciplina e a uma grande exigência no cumprimento das suas tarefas de governação. Há ‘padrões que a população tem o direito de exigir do seu governo’. Isto parece ter sido esquecido tanto por governantes, como por governados. Generalizou-se a ideia de que a governação e os altos cargos do funcionalismo pertencem aos medíocres, desde que sejam hábeis manobradores dos eleitorados ou se acolitem sob o guarda-chuva de um manobrador eleito.

Uma leitura apressada poderá julgar que o problema terá a ver com o regime democrático. Haverá quem ache que um regime autoritário traria um mais alto padrão de elites governamentais. Na verdade, aquilo a que estamos a assistir é um problema que toca as democracias, mas não torna as soluções autoritárias melhores. O que se passa com a democracia e o crescimento dos baixões padrões de governação estará relacionado com o fenómeno da polarização política que se tem desenhado nas democracias ocidentais, devido ao crescimento do populismo de cariz autoritário. Os eleitores deixaram-se capturar por uma lógica tribal e avaliam as governações apenas pelo facto de serem ou não da sua tribo política. Tudo aos da sua tribo é perdoado, nenhum mérito, por maior que seja, é reconhecido a políticos provenientes da tribo inimiga. O resultado, para além da crescente tensão, é o da proliferação da mediocridade e os baixos padrões que os governantes têm a oferecer às suas populações. Nas situações de catástrofe, tudo isso se torna dolorosamente visível.

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