domingo, 20 de junho de 2021

Descrições fenomenológicas 66. Paisagem industrial

Gerardo Rueda, Bardala, 1961
O céu tinha desaparecido tragado por nuvens cada vez mais espessas de fumo. Das chaminés, pintadas de branco e vermelho, saíam baforadas contínuas onde o cinza suave e o chumbo pesado se misturavam para deixar um rasto de tristeza no horizonte. Dentro das grandes fábricas haveria, por certo, pessoas, muitas pessoas, mas fora delas não se via ninguém, como se todos tivessem sido capturados por um inimigo feroz ou alguma feiticeira irascível as houvesse enfeitiçado para as fazer desaparecer. Ao redor dos grandes edifícios o deserto progredia. Há muito que as plantas se tinham recusado a crescer ali. Também os animais, temendo o que se escondia sob a capa volátil do odor, teriam emigrado. Quem chegasse ao nosso planeta naquele instante e nada soubesse sobre ele, não imaginaria, ao ver o fluir do fumo, que ali se temperava o ferro para se transformar em aço. Olhasse-se para que lado se olhasse, a sensação era sempre a mesma. Uma viva opressão nascida das inúmeras fábricas, que nunca se cansavam de expelir fumarolas, pequenos vulcões ameaçadores. Por vezes, ouviam-se sirenes. Outras, passavam grandes camiões carregados. O que nunca parava, porém, era a azáfama no interior dos grandes edifícios. Os olhos procuravam uma ou outra mancha de verde, mas nunca a encontravam e perdiam-se num mundo de cinzas e desolação.
 

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