Edward Burne Jones - O anjo (1881)
Por causa do conto da minha vizinha da frente publicado na Egoísta, um conto rilkeano a ler pelo simples prazer da boa literatura, voltei às Elegias de Duíno, de Rainer Maria Rilke. Mais propriamente à primeira frase da segunda elegia, Todo o anjo é terrível, na tradução de Vasco Graça Moura. Que começo o desta segunda elegia, que estranha proposição esta que, inopinadamente, estabelece ligação entre aquilo que provoca terror e esses seres que aprendemos a ver cindidos entre os que foram arrastados pelo orgulho e aqueles que, benfazejos, olham por nós. Não, não são apenas os anjos caídos que são terríveis, são todos, como indica a proposição de Rilke.
Este começo, como todos os começos nascidos do artifício humano, é apenas um recomeço. Em vez de se continuar a leitura da segunda elegia, o melhor será voltar à primeira, à célebre elegia que começa deste modo Quem, se eu gritasse, me ouviria de entre as ordens / dos anjos? Aí somos instruídos sobre essa conexão entre anjos e terror. No sétimo verso, Rilke diz, quase como se fosse a conclusão de uma inferência poética, Ein jeder Engel ist schrecklich (Todo o anjo é terrível). O adjectivo schrecklich (terrível) envia-nos de imediato para a Schrecklichkeit, que pode ser traduzida por horror. Por esta meditação sobre a linguagem, aprendemos a natureza dos anjos, essas entidades terríveis que, pelo terror que transportam, causam em nós, pobres mortais, o horror.
Seria tentador, agora que falamos de terror e de horror, desviar o nosso caminho e demorarmo-nos na leitura que Walter Benjamin faz do desenho de Paul Klee, Angelus Novus (pode ser consultada aqui), como o anjo da história. Mas não é de história que quero falar. Voltemos à primeira elegia de Duíno: Pois o belo não é mais / do que o começo do terrível, que ainda mal suportamos, e deslumbra-nos assim, porque, imperturbado, / desdenha aniquilar-nos. Na origem do terrível e no fundo do nosso horror encontra-se a beleza. Rilke sublinha aqui a natureza misteriosa - produtora de espanto e de deslumbramento - daquilo que é belo, a sua imperturbabilidade, o seu desdém, a sua produtividade (poiesis) do terror e do horror. Talvez a arte do século XX tivesse, pela primeira vez na história, consciência deste terrível mistério e, assim consciente, tenha abandonado a beleza como a sua ideia reguladora. Compreendida como o motor do terrível e do horror, a beleza tornou-se-nos insuportável. Resta-nos, porém, saber se a eliminação da causa - a beleza - terá conduzido à eliminação do efeito - o terrível.
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