Autor não identificado - Paysan chinois
Um dos fenómenos mais estranhos produzidos pela modernidade europeia é o da autonomia da arte. Serva da religião ou da majestade, a arte era uma actividade subsidiária que serviria para manifestar a glória do divino ou o poder do príncipe. O padrão que deveria guiar os fenómenos estéticos encontrava-se, em última análise, fora da própria arte. A partir do Renascimento, sob a designação de belas-artes e de belas-letras, dá-se uma lenta emancipação das actividades estéticas. Tudo isto vem a propósito de uma recente decisão do governo chinês. Vai enviar artistas, cineastas e produtores de televisão para o campo (ler no Público). Para quê? Para formarem uma ideia correcta do que é a arte, e assim criarem mais obras-primas e mais adequadas. Não é a primeira vez que tal coisa ocorre aos dirigentes do Partido Comunista Chinês. Mas não é a história política da China que me interessa, mas o significado desta atitude perante a arte. O padrão com que se deve produzir e avaliar uma obra de arte não reside na própria arte, mas é-lhe exterior, agora a vida simples dos campos. Isto significa uma perspectiva tradicional e pré-moderna, o que corrobora uma opinião que defendo há muito. O comunismo, apesar de conter elementos modernos e iluministas, representa uma reacção a essa mesma modernidade e ao próprio iluminismo, uma reacção fundada na nostalgia das sociedades tradicionais e dos seus valores arcaicos. A suposta pureza dos camponeses e da vida no campo não é diferente da glória do divino ou da majestade do príncipe. Aliás é o terceiro vértice do triângulo das sociedade tradicionais, onde encontramos o poder, o saber (onde se inclui a religião) e o povo.
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