A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Paul Ricœur definiu, como ideal ético, “a vida boa, para e com os
outros, em instituições justas”. A “vida
boa” remete para a felicidade que todos perseguimos. O “para e com os outros”
recorda que somos seres em comunidade. Por fim, as “instituições justas” são
compreendidas como aquilo que permite que cada um persiga a sua própria
felicidade. Instituições injustas aniquilam a liberdade e tornam os homens
miseráveis e infelizes.
Não devemos ter em consideração apenas as instituições formais, como o
governo, o parlamento e o poder judicial. Sabemos que outras instituições, mais
ou menos informais, detêm poder. Por vezes, um poder exorbitante. O mundo das
grandes empresas é um terrível poder fáctico, bem como o da comunicação social
e, ainda, o da opinião pública difusa e acrítica. Para que todas estas
instituições não se tornem injustas é necessário, entre outras coisas, um duplo
controlo. Em primeiro lugar, que elas se vigiem mutuamente e se equilibrem.
Depois, que uma cidadania esclarecida, activa e crítica as limite.
Isto vem a propósito de um caso em que a combinação do poder da
imprensa, do poder judicial e de uma opinião pública justicialista e acrítica,
destruiu a honra e a carreira política do ex-Presidente da Alemanha (autodemitido
em 2012), o democrata-cristão Christian Wulff. A vergonhosa história começa com
uma acusação de um tablóide de um suposto pagamento a Wulff de uma conta de
restaurante no valor de 140 euros e de uma estadia num hotel no valor de 770
euros. A imprensa trucidou Wulff e o Ministério Público abriu uma investigação
à vida do ex-Presidente, com análise a contas bancárias, escutas telefónicas,
buscas a casas, o envolvimento de 24 agentes nas investigações e, segundo o The Economist, um gasto de mais de 4
milhões de euros. Resultado: nada foi encontrado, um juiz declarou-o inocente e
o próprio Ministério Público desistiu do direito de apelar da decisão do juiz.
Podemos dizer que a justiça funcionou. No entanto, a vida de Wulff
nunca mais será a mesma e a verdadeira tortura porque passou ninguém lha tirará
de cima. Esta história mostra como uma aliança espúria entre poderes formais e
informais pode provocar desequilíbrios nas instituições e torná-las injustas.
Nem sempre onde se grita por justiça – nos tablóides e na praça pública – é o
lugar onde os direitos e a justiça são respeitados. Percebe-se como a injustiça
das instituições pode destruir a felicidade das pessoas. Na Alemanha, faltou o
equilíbrio de poderes. Mas mais do que isso faltou a voz de uma cidadania
crítica.
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